- O Globo
Rede tem metas ousadas para um partido que não tem base parlamentar. Dificuldade para implementar o seu projeto será maior
O programa da Rede é ousado, mas vago em como alcançar os objetivos principalmente para um partido quase sem parlamentares. O projeto de Marina Silva é apostar na reforma da Previdência, que apresentará logo no começo de um eventual governo, e na chegada de investimentos do setor privado. Há medidas impopulares ou difíceis como conter salários do funcionalismo e aumentar imposto sobre combustíveis fósseis, que implicaria acabar, de cara, com o subsídio ao diesel.
A Globonews encerrou a semana de entrevistas com os assessores econômicos dos principais candidatos sabatinando o economista Eduardo Giannetti, um dos formuladores do programa da Rede. Ele esclareceu que apenas as diretrizes foram entregues ao TSE e agora elas serão detalhadas em programas para cada setor. Mesmo sendo apenas linhas gerais, há lá propostas concretas e difíceis.
A reforma da Previdência será com o estabelecimento de idade mínima, de 65 anos para homem, um tempo menor para mulher, mas convergindo no futuro. O rumo é enfrentar a enorme desigualdade do sistema. “O benefício médio no INSS é de R$ 1,3 mil, no Executivo federal é R$ 7 mil, no Legislativo, R$ 16 mil, no Judiciário, R$ 27 mil médio. Isso é um escândalo. São castas”, disse Giannetti. Para reduzir desigualdades passadas, e que o tempo consagrou como direito adquirido, ele propõe aumentar a contribuição dos que mais recebem.
No documento, a Rede mira até o servidor que entrou no serviço público antes da reforma do Lula, em 2003, o que juridicamente é muito difícil atingir. Sobre salário do funcionalismo, Giannetti lembrou que eles são, em média, 67% acima do setor privado. É áspero o caminho de quem quer combater privilégios no Brasil. Exige uma grande coalizão. Com quem Marina fará alianças? Esse é o maior ponto de interrogação de um programa que quer enfrentar o estabelecido.
Perguntado sobre o financiamento das universidades públicas, Giannetti citou Marx, no texto “Crítica ao programa de Gotha”, em que o pensador alemão analisou as ideias do Partido Social Democrata. “Quando fizeram essa proposta, Marx disse que significava financiar o estudo dos ricos com um fundo geral de impostos.” Ele sugere cobrar dos que podem pagar. Criticou a expansão insustentável do Fies, instrumento que deve ser usado com lastro e critério na busca da expansão do acesso ao ensino superior.
Segundo Giannetti, a Rede se propõe a zerar o déficit público em dois anos, mas sem aumentar impostos. Contudo, falou apenas em alguns tributos que subirão. Imposto sobre herança, defendido, segundo ele, por John Stuart Mill, em 1848. Imposto sobre dividendos. Isso tem aparecido em várias propostas associado à queda do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica, mas Giannetti não confirmou essa queda.
Outro tributo que poderá subir é o ITR sobre grandes propriedades que não façam esforço para a “transição ecológica”. Não ficou claro o que isso significa. Há também o imposto de descarbonização. O programa chega a citar uma pequena elevação na Cide para desestimular atividades e combustíveis de alta emissão de gases de efeito estufa. Além disso, haveria a redução das renúncias fiscais. “Existe uma pletora de isenções tributárias no Brasil. Pouca gente sabe que água mineral, queijos, motocicletas, barcos, aviões particulares estão isentos de alguns impostos.” Rever os absurdos das desonerações e dos incentivos fiscais no Brasil – que têm o dobro do tamanho do déficit público do país – é de fato um caminho, aliás defendido por outros partidos, mas enfrentar o lobby de cada setor é que são elas.
Apesar da proposta de zerar o déficit, a Rede quer mudar o teto de gastos. Acha que começaram a casa pelo teto, sem ter fundamentos. Quer revogar a reforma trabalhista, mas defende uma simplificação da legislação, com o negociado valendo sobre o legislado. Está escrito nas diretrizes que o governo buscará a universalização do saneamento básico, o que é missão tão desejável quanto impossível no curto prazo. Segundo Giannetti, o dinheiro viria do setor privado. Ele aposta no crescimento pela volta da confiança que ocorrerá com a troca de governo. A Rede quer desconcentrar recursos fiscais, o que exigiria a inversão da tendência que vem do período militar e se manteve na democracia. As metas são altas, o caminho não está claro.
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