Durante jantar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, no qual se tratou do risco de judicialização da reforma da Previdência, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou que a reforma deve respeitar as cláusulas pétreas da Constituição, o que ajudaria a diminuir a resistência do Judiciário às mudanças das regras previdenciárias, informou o Estado.
Certamente a reforma da Previdência deve respeitar as cláusulas pétreas da Constituição. Caso contrário, ela estaria à margem do sistema jurídico nacional e, portanto, seria inválida. A questão, no entanto, não se refere apenas ao conteúdo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo apresentará ao Congresso. O problema reside muitas vezes no modo como o Judiciário entende o que são as cláusulas pétreas.
A Constituição de 1988 é um texto de grande abrangência temática, que trata de variadíssimos assuntos. A Assembleia Constituinte, no entanto, estabeleceu que apenas quatro temas não poderiam ser alterados. O art. 60, § 4.º diz que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (i) a forma federativa de Estado, (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico, (iii) a separação dos Poderes e (iv) os direitos e garantias individuais”. Esses pontos constituem os fundamentos sobre os quais deve se apoiar o Estado Democrático de Direito - devendo, portanto, serem tidos como “cláusulas pétreas”, fora do alcance do legislador.
Apesar da evidência de que a Constituição fez uma listagem restritiva dos pontos que o Congresso não pode alterar, o Judiciário não raras vezes vem entendendo de forma expansiva o que são as cláusulas pétreas, especialmente em relação ao último dos quatro itens, os direitos e garantias individuais.
Com frequência, juízes e tribunais dão a entender que não seria possível “diminuir direitos”, pois afrontaria cláusulas pétreas da Constituição. Esse tipo de interpretação não tem respaldo jurídico. A rigor, quando o Judiciário expande arbitrariamente o conceito do que seria cláusula pétrea, está usurpando as competências constitucionais do Congresso. Não cabe à Justiça proibir o Legislativo de exercer atribuições que a Constituição lhe deu.
A expansão indevida do que constitui cláusula pétrea interfere no equilíbrio entre os Poderes, pois assuntos que estariam na esfera de deliberação do Congresso ficam excluídos de sua apreciação. Vale lembrar que a separação dos Poderes é uma expressa cláusula pétrea, que, neste caso, não é fruto de uma interpretação criativa. Foi a própria Assembleia Constituinte que assim o determinou de forma explícita. Ou seja, uma interpretação desequilibrada a respeito de quais direitos e garantias individuais não podem ser alterados pelo Congresso é também um desrespeito a um dos núcleos inegociáveis da Constituição.
Além de interferir na separação dos Poderes, um conceito amplificado de cláusula pétrea retira do âmbito da política uma série de temas, que ficam engessados. Assim, o Estado torna-se menos capaz de dar respostas adequadas aos problemas de cada tempo. É o que se vê, por exemplo, com a reforma da Previdência. Só faltava que o Congresso não pudesse adequar as regras para concessão de pensões e aposentadorias à realidade econômica e demográfica. Um Estado quebrado não é capaz de assegurar direitos.
A possibilidade de deliberação democrática é vital para o desenvolvimento econômico e social de um país. Sempre, mas especialmente num mundo em transição, engessar determinadas situações jurídicas provoca graves danos à população, que se vê tolhida em sua capacidade de reação ante os problemas e desafios de cada época.
Pode parecer muito bonito dizer que é inconstitucional “diminuir direitos”. Mas, a rigor, esse imobilismo é uma afronta ao princípio democrático - a população é responsável pelo seu destino - e um tremendo retrocesso, que impõe respostas do passado às questões do presente e do futuro.
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