Pacote de Moro decepciona pela falta de ambição
Em 1993, ao cumprir um mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal encontrou na casa de Manoel Ailton Soares dos Reis, alto executivo da Odebrecht em Brasília, uma planilha com dezenas de nomes de parlamentares associados a valores e percentuais. Com mais de 20 anos de antecedência, as investigações das denúncias contra PC Farias e a máfia dos Anões do Orçamento revelaram práticas de corrupção, caixa dois de campanha e lavagem de dinheiro que só viriam a ser punidas com a Lava-Jato.
Nas duas décadas que separam os primeiros escândalos da Nova República e a República de Curitiba, corruptos e corruptores refinaram as técnicas de desvios de recursos públicos e ampliaram significativamente a sua escala. Para ficar apenas na Odebrecht: os US$ 3,2 milhões que teriam sido pagos a PC Farias para obter favores no governo Collor multiplicaram-se para uma movimentação de US$ 3,4 bilhões em propinas do famoso "departamento de operações estruturadas" entre 2006 e 2014.
Além da mudança de ordem nos valores das propinas - de milhões para bilhões - a outra notável diferença observada nesse intervalo de tempo é que membros ilustres das elites política e empresarial brasileiras começaram a frequentar nosso sistema penitenciário.
Nesse sentido, uma das questões cruciais de nosso tempo é saber se as conquistas obtidas pela Operação Lava-Jato são realmente um ponto de inflexão no combate à corrupção no país ou apenas um evento circunstancial, fruto do acaso que uniu no mesmo processo policiais federais, procuradores e um juiz com perfis linha-dura e métodos ousados de investigação.
Ao nomear Sérgio Moro como ministro da Justiça, Jair Bolsonaro pretendeu sinalizar para seu eleitorado que, sim, a Lava-Jato representa uma mudança de paradigma no combate à corrupção no Brasil. O sucesso do ex-juiz federal nessa missão depende, no entanto, de uma transição bem-sucedida do plano individual para o institucional.
Na medida em que a Operação Lava-Jato foi revelando o submundo do relacionamento entre políticos e grandes empresas, o Brasil foi despencando no ranking do Índice de Percepção da Corrupção, calculado pela Transparência Internacional. Desde 2014, quando as primeiras revelações do doleiro Alberto Youssef vieram à tona, o Brasil foi rebaixado da 69ª para a 105ª posição (ver gráfico). Trata-se de um movimento previsível: a cada nova fase do processo, a podridão do sistema ficava mais evidente e, assim, aflorava na sociedade uma sensação de que a corrupção estava piorando.
Para reverter essa tendência de deterioração, Moro precisa demonstrar que uma mudança estrutural está acontecendo de fato no país. E não foi mera coincidência o fato de, assim que foi convidado para ser ministro, Moro ter se deixado fotografar com o livro "Novas Medidas Contra a Corrupção", uma compilação de 70 propostas sugeridas por especialistas consultados pelo escritório da Transparência Internacional no Brasil e a Fundação Getúlio Vargas.
O pacote anunciado pelo Ministério da Justiça na última semana atende algumas dessas sugestões, como a criminalização do caixa dois eleitoral, a previsão de regime inicial fechado para os crimes de corrupção, algumas restrições à prescrição e novos instrumentos como o "plea bargain" (possibilidade de acordo para se evitar o processo penal) e incentivos a denunciantes de boa-fé ("whistleblowers").
Tomando como base as novas propostas da Transparência Internacional, o pacote de Moro deixou de fora medidas importantes que poderiam diminuir a corrupção no sistema eleitoral (como tetos para as doações de pessoas físicas e aperfeiçoamentos nas prestações de contas eleitorais) e a lavagem de dinheiro (limites a operações com dinheiro em espécie, penalizações mais duras à atribuição fraudulenta de bens a "laranjas"), além do aumento de penas para crimes de corrupção e fraudes em licitações. Também não se verificou maior ambição nas medidas processuais, como o estabelecimento de um "balcão único" para os acordos de leniência, a ampliação das ações populares e propostas para conferir maior celeridade no sistema recursal para se evitar a procrastinação da responsabilização de corruptos e corruptores.
Além de ter se mostrado tímido em relação a toda expectativa gerada em torno do seu lançamento, o pacote de Moro também desperdiça uma oportunidade de ouro para ser ousado na aprovação de reformas: o início de governo e sua "lua de mel" no Congresso. E ao não avançar em pontos nos quais o governo já começa a mostrar fragilidade, como nas suspeitas sobre o uso de "laranjas" no passado de Flávio Bolsonaro e nas contas eleitorais do PSL, Moro inicia sua gestão decepcionando sobretudo os milhões de brasileiros que esperam da sua atuação uma mudança estrutural no combate à corrupção no Brasil.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".
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