quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Maria Cristina Fernandes: Previdência pede mais Lula que Stroessner

- Valor Econômico

Lula tem mais a ensinar a Bolsonaro do que Stroessner

O presidente da Câmara dos Deputados, principal avalista das expectativas em relação à reforma da Previdência, já devolveu Mateus para quem o pariu. Se ele, Rodrigo Maia, cuida dos deputados, é Jair Bolsonaro quem tem a responsabilidade de convencer os eleitores de que a reforma a ser votada é boa para o país. Sem isso, não haverá maioria a favor no Congresso.

A cobrança para que presidente da República reencarne o garoto-propaganda da campanha eleitoral desafia suas habilidades de comunicador. Até hoje, o titular do Palácio do Planalto foi pedra. No PT, na corrupção, na violência. No papel de vidraça, o presidente decepciona. Monocórdico no tom e enfadonho nas ênfases, perde o elã diante de um teleprompter. É incapaz de demonstrar indignação frente à injustiça dos privilégios previdenciários com a mesma ênfase com a qual chama todos os petistas de ladrões. Comparado com intérpretes de libras que se postam ao seu lado, o presidente dos pronunciamentos é uma múmia falante. Não levanta as sobrancelhas para afirmar que quem ganha mais contribuirá com mais e nem sequer esboça um sorriso para dizer àqueles que vão pagar a conta que o futuro prometido é um país com mais empregos.

O presidente da República só parece se sentir à vontade quando encarna o defensor de ditaduras e algoz dos esquerdistas, aquele que ensinou tudo ao seu trio de filhos. Com seus trejeitos habituais, apertando os lábios, prendendo a língua e mostrando os dentes num discurso improvisado esta semana, pareceu mais à vontade chamando Alfredo Stroessner de estadista e homem de visão do que explicando aos brasileiros porque o país só sai do buraco se todo mundo trabalhar mais.

Se Bolsonaro não parece convincente em falar daquilo que a reforma tem de bom, que dirá em dobrar os eleitores em relação àquilo que ela tem de ruim. Eleito por um Estado urbanizado como o Rio e egresso do mais liberal dos partidos (DEM), o presidente da Câmara já mandou dizer que a garfada na previdência rural e no benefício assistencial aos idosos miseráveis não passa. Não é com teleprompter que o presidente vai conseguir convencer seus eleitores e, mais ainda, aqueles de seus adversários, que os brasileiros elegíveis a um auxílio-invalidez só poderão fazer jus ao benefício se acometidos por doenças provocadas pelo trabalho. Aos demais, portadores de doenças hereditárias ou genéticas, restaria a mendicância.

O recuo dos ruralistas na pressão pela reedição do subsídio ao agronegócio embutido na conta de luz é um sinal de que a reforma avançou mais do que devia na penalização dos desvalidos. Mas não basta recuar. Para aprovar o cerne da reforma - a idade mínima e a equiparação entre os servidores dos setores público e privado -, o governo terá que avançar na negociação com uma oposição que, pode até não parecer, mas é numericamente maior no Congresso do que na legislatura passada. O presidente quer chamar PDT e PSB para conversar, mas os dois partidos só pretendem ir levando o resto da turma. E é tão improvável imaginar um convite do presidente Jair Bolsonaro ao líder do PT, deputado Paulo Pimenta (RS), quanto seu aceite.

Nessa orquestra dissonante, o único acerto foi a escolha de Joice Hasselmann (PSL) para líder do governo no Congresso. Não apenas por mostrar o freio nos filhos, de quem a deputada é desafeta, como por sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo. Nesta condição, terá que negociar um formato para a reforma que a torne defensável para a maioria de seus eleitores.

A pesquisa CNT-Sensus da semana mostrou que o presidente tem menos gordura para queimar e mais rejeição do que Luiz Inácio Lula da Silva quando este aprovou a taxação dos inativos no Congresso. O ex-presidente foi atrás de lideranças da oposição capazes de conduzir a negociação que deixou seu próprio partido na defensiva e provocou o cisma que gerou o PSOL. Sem compreender por que o presidiário, e não o paraguaio sanguinário, teve seus dias de estadista, Bolsonaro só vai levar estilhaços na vidraça da Previdência.

Social e financeiro unidos
Circula entre dirigentes da Força Sindical, CUT e UGT um texto que ensina como o modelo de fundo de pensão adotado no Canadá e nos Estados Unidos foi capaz de promover a "união entre o social e o financeiro". Com uma arrecadação, em 2018, equivalente a menos de um décimo daquela do ano anterior, quando vigia o imposto sindical, as centrais já planejam uma associação com bancos ou, até mesmo, a criação de bancos próprios que possam gerir os fundos previdenciários a serem regulamentados pela reforma. João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, reconhece que seus planos vão "arrepiar" muitos sindicalistas, mas é o único caminho que enxergam para a sobrevivência das centrais que, desde a reforma trabalhista, não têm assegurado nem mesmo o repasse das contribuições voluntárias feitas pelos trabalhadores aos seus sindicatos. Na venda de seu patrimônio, enfrentam compradores que, cientes da penúria, jogam na lona o valor de imóveis.

Para assegurar que as centrais possam encabeçar esses fundos, as centrais pretendem rediscutir a unicidade sindical. Acham que terão mais musculatura para negociar com os bancos como representantes dos metalúrgicos da Força Sindical, por exemplo, e não apenas daqueles de um determinado município. Na audiência com o vice-presidente, Hamilton Mourão, o presidente da CUT, Vagner Freitas, foi aconselhado a convencer seus companheiros de que não havia outra saída para as centrais. As conversas com os partidos estão embrionárias, mas o elogio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, à proposta de capitalização mitigada do PDT, sugere que a velha aliança entre o presidente licenciado da Força, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD), Maia e o ex-presidenciável Ciro Gomes, ainda pode gerar dividendos. Ainda não se sabe se, na negociação com os bancos, as centrais pretendem reduzir as taxas de administração cobradas ou se serão seus sócios. As duas únicas certezas são a de que uma parte de sua base quer entrar no negócio e que, na nova era, banqueiro está para virar 'brother'.

Nenhum comentário: