- Folha de S. Paulo
Não me ocorre o nome de outro senador que já tenha homenageado dois milicianos
“Renan Calheiros como presidente do Senado? Ah, isso não simboliza o novo!” É verdade! Ainda que novidade não deva ser um critério absoluto. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) chega à Casa com um currículo realmente inédito. Não me ocorre o nome de outro senador que já tenha homenageado dois milicianos, membros de organização criminosa: um está preso, e o outro foragido. Já volto ao ponto.
Escrevo esta coluna no dia anterior às respectivas eleições para as Mesas das duas Casas do Congresso. Na Câmara, a questão já está resolvida, restando aos partidos de oposição, enquanto articulo minhas prosopopeias, atuar para ter ou não um cargo na direção. Rodrigo Maia (DEM-RJ) vai presidi-la pela terceira vez. Dos males, o menor. A situação no Senado só se define nesta sexta.
Dada a composição da nova legislatura, a concha da Câmara é que deveria estar voltada para baixo. Parecer-se-ia mais apropriadamente com um circo. Aguardem para ver. Sem querer ofender os artistas circenses.
Niemeyer, no entanto, resolveu desenhá-la com a boca para cima para simbolizar o acolhimento do povo, o voto dos indivíduos, dos “cidadões”, para lembrar o plural imortalizado por Marcus Vinícius Carvalho Rodrigues, presidente do Inep, que elabora, entre outras, a prova do Enem.
Nota à margem: em entrevista ao Estadão, Carvalho Rodrigues afirmou que a prova pertence a Bolsonaro. “O presidente não é professor de gramática, Reinaldo!” É verdade. Ele se sai melhor em Educação Moral e Cívica, que deixa como herança genética à filharada.
Ricardo Vélez Rodriguez, ministro da Educação, deveria ressuscitar a disciplina em homenagem aos “verdadeiros valores da família brasileira”, que são aqueles que vigoram no clã Bolsonaro, por metonímia. Vélez Rodriguez, diga-se, pediu, e levou, R$ 61.869,40 de auxílio-mudança. Justificou-se dizendo ter dois dependentes. Basta espiar pelo buraco da lona...
No começo de dezembro, Flávio visitou o Senado, acompanhado por um séquito. Era um verdadeiro Júlio César (antes dos acontecimentos infaustos... para ele e para César) a afrontar os poderosos da decadente República, em vias de cair em mãos imperiais.
Deitou falação e ensinamentos morais e filosóficos, como a família costuma fazer, com vasta e desconhecida bibliografia. E pontificou sobre a eventual candidatura de Renan: “O que ele tem a oferecer de novo? Qual é a colaboração que eles podem dar? Não é uma frente contra Renan, mas a favor do Brasil. Uma parte do Senado não vai caminhar com ele. Vamos conversar para ver até onde ele quer ir com isso".
Se não César, poderia ser um Tenório Cavalcanti a circular no Parlamento com a “Lurdinha”, apelido carinhoso que dava a uma submetralhadora da qual não se desgrudava.
Até onde acompanho, o senador enrolado com o Coaf e com as milícias, que usava advogados da Assembleia Legislativa do Rio em demandas judiciais particulares, que justifica seu sucesso financeiro com uma franquia que vende chocolates, já andou a mirar Renan com olhos de ressaca, agora que sua biografia de moralista impoluto foi tragada por fatos sem explicação —ou melhor, cuja explicação não pode ser dada. Quem tem dúvida sobre esta Capitu?
Renan, por sua vez, já disse que não cabe ao Senado investigar “o garoto” (como o Bolsonaro-pai chamou o Primeiro Filho). E não cabe mesmo. Isso só poderia ser feito por intermédio do Conselho de Ética da Casa. Não passaria. É óbvio, mas soou pelo que é: uma aproximação amistosa. Renan, no entanto, não manda no Ministério Público do Rio, no Ministério Público Federal e na PF.
Sem um Coaf no meio do caminho, à época ainda livre da metafísica de São Sergio Moro, Flávio seria, a esta altura, o principal articulador de uma chapa no Senado “em favor do Brasil”, sem Renan, claro!, numa demonstração eloquente de que a revolução em curso não é implacável apenas com os plurais.
Encerro observando que outros patriotas, guiados pela metafísica bolsonarista, mas sem ousar confessá-lo, defendem que o único modo de impedir a vitória de Renan é fraudando a regra do jogo, que prevê eleição secreta.
É tal a fome moralista dos valentes que não hesitam em engolir até o arcabouço legal. E as conversas reveladas por esta Folha entre Renan e um diretor da JBS? Pois é. Para lembrar Cecília Meireles, escolham seu sonho, “cidadões".
Um comentário:
Vamos combinar que o cidadão que disse''cidadões'' estava uma pilha de nervos,vem daí o erro crasso.Quen nunca errou,falando ou escrevendo,que atirem o primeiro caderno.Tá certo que o orador-nato fala bem até dormindo,mas isso é raro.
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