- Folha de S. Paulo
É preciso olhar muito além da Previdência
Mohamed El-Erian, hoje conselheiro econômico-chefe da Allianz, uma das maiores seguradoras do mundo, é um desses pop stars do planeta economia.
Tão pop que foi eleito pela revista Foreign Policy como um dos 100 Pensadores Globais durante quatro anos consecutivos (de 2009 a 2012).
Pois é essa figura emblemática que dispara, agora, contra seus colegas de profissão, em artigo para “Project Syndicate”: “Mesmo quando o ceticismo do público sobre sua profissão está crescendo, economistas continuam ignorando as óbvias falhas em suas molduras analíticas”.
El-Erian cobra dos colegas “uma mentalidade mais aberta”, sob o risco de se tornarem irrelevantes.
El-Erian lembra que a malhação aos economistas começou porque os seus mais notórios representantes fracassaram em prever a crise financeira global de 2008. Mas, acrescenta, “agora, estamos testemunhando uma crescente lista de fenômenos econômicos e financeiros que os economistas não podem explicar rapidamente”.
Aos economistas brasileiros, cabe, creio, parte das críticas de El-Erian.
Também eles não passaram nem perto de antever o cataclisma que foi a crise de 2008/09.
Agora, ficaram prisioneiros de um debate não sobre novos problemas e situações, mas sobre um velhíssimo problema, o das contas públicas. Em consequência, cantam em uníssono um samba de uma nota só, a reforma da Previdência.
Que ela é necessária, pouca gente discute, embora haja divergências sobre o formato que deveria tomar. O problema é que há uma forte inclinação da maioria dos economistas a pintar a reforma como o abre-te Sésamo para o paraíso.
Não é. É necessária, repito, mas não é suficiente para tirar o país do pântano, que, aliás, vai muito além da economia.
Por isso mesmo, ouso surfar na análise de El-Erian sobre a necessidade de “uma mentalidade mais aberta” e falar sobre a reforma dos sonhos de Gene Sperling.
Apresento Sperling: é uma espécie de guru econômico do Partido Democrata. Passou oito anos na Casa Branca com Bill Clinton e mais cinco com Barack Obama.
Nesta segunda-feira (11) publicou ensaio no jornal Democracy em que diz que “dignidade econômica” deveria ser a “única meta final de política econômica”.
Define “dignidade econômica” em três pontos: “ser capaz de cuidar da família; ter a oportunidade de realizar seu potencial; e ficar livre da dominação e da humilhação”.
Antes que digam que é coisa de um marxista cultural, essa tolice que os bolsonaristas inventaram, é bom citar um economista, Antonio Delfim Netto, que pode ser acusado de quase tudo, menos de marxismo.
Na sua coluna desta quarta-feira (13), Delfim escreveu: “O problema civilizatório de toda sociedade é construir instituições capazes de articular a ‘justiça social’ (um critério fluido: talvez uma distribuição de renda que confortaria o cidadão mais vulnerável da sociedade) com plena liberdade de iniciativa e a criatividade individual”.
Sperling não deixa claro como chegar à dignidade econômica. Delfim tampouco especifica como resolver o que considera um “problema civilizatório”.
Seja como for, apontar a dignidade como meta final das políticas públicas em geral, não apenas a econômica, é no mínimo devolver o debate a um patamar civilizado, logo muito acima da miséria atual.
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