- Folha de S. Paulo
Nesta festa quem tira alguém para dançar está sempre circunavegando o abismo
Máxima atribuída a Tim Maia decretava que o Brasil é um país em que prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita.
Mas isso foi quando o país era apenas complicado. Agora virou outra coisa, ainda não dicionarizada
—o adjetivo brasil, quem sabe, acabará por encampar nova acepção.
O crime organizado por aqui continua crime e continua organizado, mas ele se misturou de tal forma com política, polícia, bombeiros, seguranças e qualquer outro estamento que está difícil roteirizar. Visto com os olhos da história, o filme “Tropa de Elite” retrata na verdade uma sociedade pré-revolucionária.
O crime desorganizado, esse só agregou tipificações penais. O que antes não tinha agora tem; o coleguinha de escola de hoje pode bem ser o algoz do massacre de amanhã.
Nesse baile de máscaras, as pessoas são isso e são aquilo, ao mesmo tempo ou na sequência.
Presidente da República, por exemplo. Num dia é o chefe de Estado, noutro convive com miliciano, como vizinho, nas fotos e nos laços familiares —quem há de saber ao certo onde termina essa relação?
Já governador como cargo só do Executivo é algo que ficou no passado. No Rio, o dono da cadeira permite-se encampar tarefas que antes eram de promotor e juiz, como discutir delação premiada.
Procurador da República acha que pode ser gestor de fundação. Militar não cumpre só sua função constitucional, como também faz estrada, cuida da comunicação do governo e fomenta a ciência, para ficar em três exemplos só. Em São Paulo, o domínio do PCC diminui o número de crimes violentos nas favelas.
A confusão torna difícil saber se o interlocutor é mocinho ou bandido. Nesse baile, quem tira alguém para dançar está sempre circunavegando o abismo —e confiança, aquele velho cimento social, jamais foi convidada para uma festa assim. A máxima de Tim Maia tinha um preâmbulo: “Este país não pode dar certo”.
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