- Folha de S. Paulo
Investigadores do caso Marielle decidiram pelas prisões para evitar o achincalhe
Menos atraente, mas não menos importante, a descoberta involuntária do estoque de armas de combate, em seguida à prisão do matador de Marielle Franco, lança sobre a polícia e as promotoras do caso o primeiro efeito. Inutiliza o seu argumento de que Ronnie Lessa agiu "por repulsa à atuação política da vereadora", sob impulso da obsessão contra "pessoas que se dedicam às causas das minorias". Para dar consequência fatal à alegada obsessão, Ronnie Lessa, ou qualquer outro, não precisaria de 117 fuzis do conceituado modelo M-16. E nem é certo que o depósito encontrado seja o único.
Do raso mergulho na psicologia de Lessa, polícia e promotoras trouxeram ainda a dedução de estarem diante de um contrabandista. Logo, uma das misteriosas fontes do armamento que domina favelas e fortalece o chamado crime organizado. É uma hipótese. A mais fácil. Por isso, incapaz de explicar, com o estoque de fuzis, a presença de silenciosos, objetos que abafam o som do tiro e que não são usados pelo crime organizado nem pelos traficantes favelados.
As armas à espera de montagem indicam uma técnica de contrabando ainda não considerada aqui. Exceto umas três peças —gatilho, cano e coronha, de formas muito conhecidas—, as demais podem entrar até por vias legais, como peças de reposição para tal ou qual indústria. As outras podem ter fabricação aqui. Além disso, a entrada ilegal de armas dá à Polícia Federal, enfim, uma brecha para a ansiada presença no caso Marielle.
Ronnie Lessa é um veio novo, proliferante e, sabe-se lá, talvez inconveniente para partes das polícias. A criminalidade expandida no Brasil reserva ainda assombrosas surpresas.
Também a divulgação das autorias do crime contra Marielle, a 48 horas de um ano completado desde sua ocorrência, adotou uma justificativa inaceitável. Quando a veracidade não atrapalhará ações futuras, a desinformação é um desrespeito. Polícia e Promotoria decidiram pelas prisões e divulgação, não porque a investigação chegasse agora ao estado "maduro", como foi dito, mas para evitar o achincalhe que a frustração hoje despejaria sobre esses investigadores do crime. Uma providência compreensível, com um complemento ridículo.
Ainda que não houvesse todos os elementos de comprovação agora disponíveis, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz já estavam derrotados há perto de 90 dias. Pouco depois de assumir, o governador Wilson Witzel não se aguentou e, sem motivo para tanto, disse a repórteres que "logo se saberá quem cometeu o crime". Talvez não soubesse o nome, mas estava informado da identificação feita. Antes de encerrada a intervenção na Segurança do Rio, em 31 de dezembro, os interventores e generais Richard e Braga já diziam esperar a revelação ainda antes de deixarem os cargos.
Não há "segunda fase" sendo iniciada, esta para prender possíveis mandantes. Mas identificar interessados na morte de Marielle, para localizar o personagem determinante, foi a primeira reação da polícia ao crime. Objetivo não abandonado desde então. A etapa atual pode ser, isso sim, a de obter mais provas ou aprofundar descobertas na criminalidade. Mas criar essas fantasias de segunda fase, estado maduro e que tais não ludibria os visados e engana o público.
Melhor é Bolsonaro, que na campanha deu aos opositores a escolha entre ir para a cadeia ou para o exílio, e já dois —a filósofa Márcia Tiburi e o eleito deputado Jean Wyllys — foram salvar as suas e as vidas de parentes onde lhes deem esse direito.
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