O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acredita que o Brasil atrasou seu desenvolvimento ao procurar fazer negócios com a China, a Europa e a América Latina, e abandonando os Estados Unidos como principal parceiro comercial. A declaração, dada em aula magna no Instituto Rio Branco, onde estudam aspirantes à carreira diplomática, mostra a dimensão da pretendida guinada que o presidente Jair Bolsonaro pretende imprimir à política externa do País.
“Houve apostas completamente equivocadas a partir dos anos 1950 e, mais ainda, nos anos 1970, com o terceiro-mundismo, o antiamericanismo e o antiocidentalismo, com uma aposta em parceiros que não foram capazes de nos ajudar no nosso desenvolvimento”, disse o chanceler Araújo. Segundo o ministro, o Brasil teve o seu melhor período econômico “quando seu principal parceiro eram os Estados Unidos” – e, em sua visão, a atual estagnação do Brasil coincide com o fato de o grande parceiro comercial do País ser agora a China.
É com base nesses argumentos que o chanceler Araújo pretende justificar a conhecida intenção do atual governo de se aproximar dos Estados Unidos. Não seria uma aproximação qualquer. A julgar pelo ânimo demonstrado até aqui pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro das Relações Exteriores, haverá total simbiose entre o Brasil e os Estados Unidos nos próximos anos, em detrimento das relações com outros parceiros e seja qual for a pauta. Tudo isso sob a justificativa de uma suposta afinidade entre os povos brasileiro e norte-americano no que diz respeito a valores religiosos e morais.
Como se vê, não é uma estratégia; é uma mensagem messiânica. A nova política externa brasileira, conforme relatado pelo chanceler Araújo, mistura interesses comerciais com motivações de caráter explicitamente religioso. É como se o Brasil estivesse destinado pela “providência divina” a se vincular aos Estados Unidos, pois esta seria a condição indispensável para seu desenvolvimento.
O ministro Araújo até admite que o Brasil continue a fazer negócios com a China, mas deixou claro que a política externa brasileira não será mais pautada exclusivamente por interesses comerciais. “Queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma. Querem reduzir nossa política externa a uma política comercial, e isso não vai acontecer”, disse o chanceler.
A abordagem do ministro Araújo tem diversos problemas. Fiquemos no mais óbvio: o Brasil, ao contrário do que disse o chanceler, deveria ampliar, e não reduzir, suas parcerias comerciais. O País é reconhecidamente um dos mais fechados do mundo, com participação pífia no comércio internacional, considerando-se seu imenso potencial. Não fosse o dinamismo do setor agropecuário, a presença do Brasil na cadeia comercial global mal seria notada.
Esse quadro é resultado da baixa competitividade dos produtos brasileiros e das barreiras à modernização do setor produtivo, que se sustenta em parte em inexplicáveis benefícios fiscais. Ademais, o Brasil passou os últimos tempos, especialmente durante o mandarinato lulopetista, desprezando acordos comerciais com os grandes mercados, preferindo, por razões ideológicas, aproximar-se de países periféricos.
Tem razão o chanceler Araújo quando denuncia o atraso que representou a diplomacia lulopetista, mas o atual governo erra completamente quando pretende substituir aquela ideologia por outra, de sentido oposto, mas com semelhante perniciosidade. Esquece, também, que entre o governo ideologizado de Dilma Rousseff e o governo ideologizado de Jair Bolsonaro passaram-se dois anos e meio do governo sensato de Michel Temer.
A aula magna do chanceler Araújo foi, assim, muito didática a respeito da “visão de mundo” de Bolsonaro. Mas ninguém melhor do que o próprio presidente para externar suas preocupações acerca das relações exteriores do Brasil. Ao anunciar que pretende trocar 15 embaixadores, ele se queixou de que sua imagem no exterior está “muito ruim” e deu a entender que é tarefa dos diplomatas melhorá-la.
Nem mesmo os melhores quadros do Itamaraty serão capazes de tal façanha, a julgar pela incapacidade de Bolsonaro de se comportar como presidente da República e de seu chanceler de entender que diplomacia não pode se confundir com religião.
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