Quando, decorridos apenas 70 dias de governo, um ministro é de novo confirmado no cargo, depois de se distinguir pelo desejo fracassado de ver crianças filmadas nas escolas cantando o Hino Nacional, ou por chamar brasileiros que lhe pagam o salário de "canibais", a conclusão é que sua carreira na administração pública não será brilhante nem longa. Fosse alguém de uma pasta irrelevante, os desatinos provocariam só mal-estar passageiros. Trata-se, porém, do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que, por todos os diagnósticos sensatos, tem uma das missões mais importantes para o futuro do país, ao lado daquela reservada ao ministro da Economia, de fazer um ajuste fiscal radical.
Dez em cada dez avaliações dos motivos de atraso da economia brasileira apontam para a péssima qualidade da educação, um dos maiores freios ao desenvolvimento e à boa distribuição de renda. Nenhum especialista sério deixa de apontar que sem avanços constantes, criatividade e esforços persistentes na área, o Brasil mal sairá de onde está - país de renda média, com viés de decadência. Há unanimidade nacional, em uma época de discórdias - sem educação massiva e de qualidade, não se vai a lugar nenhum.
A grandeza da missão e a determinação de enfrentá-la seriam alguns dos poucos motivos plausíveis para explicar a novela de golpes, contragolpes e exonerações em série na cúpula do ministério nos últimos dias. Quem acompanha os ecos desses episódios repletos de som e fúria pelos jornais e TVs acha que eles significam nada ou, caso da maioria, não entendem seu significado. Os leigos, no caso, estão na boa companhia dos especialistas, que também não conseguem explicar em torno de que se engalfinham pelo menos três alas em um órgão do governo que até agora nada fez.
Uma parte dos postos de chefia é ocupada por militares, como se tornou praxe no governo de Jair Bolsonaro, a maioria no comando de autarquias, como o Inep, a Capes e o FNDE. Outra parcela é composta por teólogos ou integrantes do Centro Paula Souza, uma autarquia do governo paulista especializada em ensino técnico, mais afinada com o ministro Vélez Rodríguez. A completar o trio da fuzarca, estão os adeptos do guru do submundo intelectual em que chafurdam os teóricos do que se chama de "bolsonarismo", o ex-comunista Olavo de Carvalho, que mora nos Estados Unidos.
Sinal da balbúrdia em que se transforma aos poucos o governo, Olavo tem sido um agente provocador de instabilidades sem ter nenhum cargo, ou jamais ter sido eleito para nada, e cuja autopropalada sabedoria, que se espalha pela astrologia, é cultuada apenas pelos membros de uma seita que quer comandar o governo a qualquer custo. Há admiradores e admiradores e os filhos de Bolsonaro, e ao que consta o próprio presidente, estão entre eles, o que é mais um motivo para confusões em série.
A disputa no ministério causou demissões nas três alas. O ministro perdeu seu secretário executivo, o "técnico" Luiz Tozi, vítima do fogo cruzado de "olavetes", que o taxaram de "tucano", e dos militares. O coronel Ricardo Roquetti, ligado a Tozi, teve o mesmo destino, mas por ordem expressa do presidente Bolsonaro. Os "olavetes", por seu lado, levaram pontapés no traseiro desferidos pelo ministro, que estará perdido se obtiver outra "vitória" como essa. Para completar a insensatez, o novo número dois do ministério é Rubens Barreto da Silva, amigo e auxiliar do demitido Tozi.
Para além das intrigas, alguns interesses se destacam. Para ideológos, como os pupilos de Olavo, interessa levar à frente guerras como a da "Lava-Jato da Educação", esposada pelo ministro. Um mistério é saber de quem partiu a iniciativa da patriotada do hino, mas Vélez Rodríguez também a assumiu. O ministro tornou-se uma incógnita e não se sabe ao certo de que lado está. Indicado por Olavo jamais imaginou que seria ministro e esta sua impressão continua intensamente verdadeira. Não se sabe o que pensa ou quer a ala militar do ministério.
A distribuição do dinheiro, logo do poder, na Esplanada, ajuda a enxergar um motivo real para tanta briga por tão poucas ideias. A Educação tem a segunda maior dotação ministerial, R$ 114,1 bilhões, atrás apenas da Saúde, com R$ 114,3 bilhões. Possui influência nacional e capilarizada, o que faz dele ativo eleitoral precioso e instrumento de controle e doutrinação importante. Bem utilizado, pode fazer muito pelo futuro. Em mãos inábeis e cérebros primevos, incensará as trevas do passado. O Brasil merece, e precisa desesperadamente, de algo melhor nessa área.
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