quinta-feira, 14 de março de 2019

Ribamar Oliveira: Desvincular não resolve

- Valor Econômico

O problema é manter a despesa dentro do teto

Ainda não é conhecido o conteúdo da proposta de emenda constitucional (PEC) de desvinculação e desindexação do Orçamento que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende encaminhar ao Congresso. Ontem, durante a posse do novo presidente do Banco Central, Guedes acrescentou um novo objetivo para a PEC: "desobrigar" o gasto. Apenas pelas declarações do ministro até agora, não é possível saber o que ele pretende.

O problema atual do governo federal e de boa parte dos governos estaduais é que as despesas não cabem no teto de gastos. E desvincular receitas não resolve a questão. É necessário reduzir as despesas obrigatórias para produzir superávit primário nas contas. Neste sentido, a desindexação das despesas pode ajudar.

Especialistas em finanças públicas consideram muito difícil o governo cumprir o teto de gastos em 2020 ou nos anos seguintes, mesmo se a reforma da Previdência Social for aprovada. Em 2018, as despesas obrigatórias da União absorveram 99% da receita líquida, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Se o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios não for reduzido, cada vez mais o governo terá que cortar despesas de custeio e investimento para cumprir o teto, colocando em risco o funcionamento da máquina administrativa e a oferta dos serviços públicos à população.

Por força da lei complementar 156, os Estados que renegociaram suas dívidas com a União também estão sujeitos ao teto de gastos. E 11 deles, pelo menos, não cumpriram o limite para as suas despesas primárias no ano passado, que não poderiam crescer acima da inflação. Essa era a condição para que eles tivessem direito ao prazo adicional de 240 meses para pagar a dívida e à redução das parcelas mensais de pagamento.

Não foi por causa das vinculações de receitas que as despesas da União e dos Estados aumentaram em ritmo mais acelerado do que o crescimento da economia ao longo das últimas décadas. Isto ocorreu devido às leis aprovadas pelo Congresso e pelas Assembleias Legislativas, aumentando ou criando novos benefícios, e aos mecanismos de indexação dos gastos.

O salário mínimo, por exemplo, é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais. Quando ele aumenta acima da inflação, essas despesas também crescem. Se as receitas orçamentárias forem totalmente desvinculadas, como parece ser a intenção do atual governo, as despesas continuarão do mesmo tamanho e aumentando, por causa da indexação.

A Constituição de 1988 criou uma série de receitas vinculadas a despesas específicas, o que engessou o Orçamento. Muitas vezes, durante a execução orçamentária, sobravam recursos, mas o governo não podia utilizá-los para pagar despesas essenciais, pois, pela legislação, eles estavam destinados a um gasto determinado. Mesmo que a receita vinculada fosse maior que a despesa, o dinheiro sobrava, mas não podia ser gasto em outra finalidade.

A primeira desvinculação de receitas foi feita durante o governo Itamar Franco, antes do lançamento do Plano Real, que estabilizou a economia. Para garantir o sucesso do Real, foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), que desvinculou 20% de todas as receitas.

Naquela época, o orçamento da Seguridade Social era superavitário, ou seja, as receitas das contribuições sociais - que só podem ser utilizadas nas despesas com benefícios previdenciários, assistenciais e da área de saúde - eram superiores aos gastos. Ao desvincular 20% desses recursos, o governo pode usar o dinheiro da Seguridade para pagar outras despesas e, assim, equilibrar o Orçamento.

O cenário mudou e, agora, o orçamento da Seguridade é deficitário, ou seja, as receitas das contribuições não são suficientes para arcar com todas as despesas com Previdência, assistência social e saúde, necessitando uma complementação de recursos do Orçamento Fiscal. Por isso mesmo, o próprio governo propôs, no texto da reforma da Previdência, o fim da desvinculação das receitas da Seguridade. Não precisa mais.

Há dois outros aspectos que devem ser considerados. O primeiro, é que as despesas da União com saúde e com educação não estão mais indexadas à receita. A emenda constitucional 95, que instituiu o teto de gastos, fixou pisos para as despesas com saúde pública e com educação, que serão reajustados, daqui para a frente, pela inflação. A PEC que Guedes vai encaminhar pretende acabar com a indexação dos dois pisos pela inflação? Será que "desobrigação do gasto" significa não ter piso ou despesa mínima?

É difícil entender que a nova PEC vai propor a desvinculação de receita e a desindexação, quando a PEC da reforma da Previdência manteve a vinculação das receitas da Seguridade e estabeleceu o salário mínimo como piso para os benefícios previdenciários e assistenciais. É verdade que esta última tirou da Constituição a necessidade de manutenção do valor real dos benefícios previdenciários, deixando a questão para lei complementar.

O segundo aspecto é que, ao longo do tempo, o governo federal aprendeu a lidar com a vinculação de receita. Quando sobra esse tipo de recurso, ele é usado para compor o superávit primário e termina depositado na conta única do Tesouro.

Para os Estados, a desvinculação será mais importante porque a atual Desvinculação de Receitas Estaduais (DRE) exclui os recursos destinados à saúde, educação e previdência dos servidores. A desvinculação, se aprovada, deixará os governadores com mais recursos livres, à custa das áreas sociais.

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