- Valor Econômico
Primeiro trimestre foi desanimador na economia e na política
O primeiro trimestre de 2019 foi desanimador tanto na economia quanto na política. A atividade segue capenga, sem engrenar, e o desemprego continua elevadíssimo. No cenário político, o governo deu várias mostras de desarticulação e amadorismo, indicando que as perspectivas para a reforma da Previdência são menos favoráveis do que se imaginava na virada do ano. Por enquanto, a aprovação da proposta no Congresso em 2019 ainda parece o mais provável, mas com uma economia de recursos mais modesta e uma tramitação mais demorada.
Nesse quadro, aumenta o risco de que os solavancos na política afetem a lenta recuperação da economia, num país com mais de 13 milhões de desempregados. Consolidam-se as apostas de um crescimento na casa de 2% em 2019, um resultado decepcionante depois do desempenho horroroso da economia nos últimos cinco anos, e há quem aposte num número mais baixo.
A fraqueza da atividade, por seu turno, pode contaminar o ambiente político, corroendo rapidamente a popularidade do governo, que tem pela frente uma agenda difícil para encaminhar no Congresso. Além da reforma da Previdência, será preciso definir neste ano a regra de reajuste do salário mínimo a partir de 2020 e a política salarial para os servidores públicos. Há também outras medidas politicamente complexas na agenda deste ano e dos próximos, como o projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, de promover mudanças significativas no sistema tributário.
Nesse cenário, o risco é de que se estabeleça um círculo vicioso: a economia fraca contamina o ambiente político, o que por sua vez prejudica o econômico. As expectativas para 2019 foram consideravelmente rebaixadas.
A versão otimista para a trajetória da economia pressupõe a aprovação de uma reforma da Previdência robusta neste ano, com andamento relativamente rápido da proposta - a primeira votação na Câmara dos Deputados ocorreria ainda no primeiro semestre. A incerteza em relação à sustentabilidade das contas públicas diminuiria expressivamente, reforçando a melhora da confiança de empresários e consumidores. Num ambiente de juros baixos e menor endividamento de empresas e famílias, a economia ganharia fôlego. Com a redução do risco fiscal, o Banco Central teria espaço para reduzir ainda mais a Selic de modo sustentado, estimulando a atividade.
O que se viu nas últimas semanas, porém, sugere que o cenário mais positivo para a mudança no sistema de aposentadorias tende a não se concretizar. A troca de farpas entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), indica que a tramitação será menos tranquila do que se esperava, ainda que tenha havido uma trégua a partir da quinta-feira. A notícia de que Guedes cuidará da articulação política da reforma mantém a incógnita sobre as perspectivas para o projeto da Previdência. O ministro tem bom relacionamento com Maia, mas, por não ser político, terá de participar de um jogo cujas regras não conhece em profundidade.
Além disso, quando o ministro vai para a linha de frente da negociação, "elimina-se o intermediário que serve de filtro e de fusível nas barganhas com os políticos", como define o analista político da MCM Consultores, Ricardo Ribeiro. "No modelo usual, por assim dizer, o operador político responsável pela condução da negociação em nome da área econômica fecha acordos preliminares, que depois ficam sujeitos ao aval do dono do cofre, ou seja, do ministro", diz ele, em nota. "É uma válvula de escape para a eventual necessidade de submeter o acerto político a um polimento final. Sem o intermediário, não há como voltar atrás ou fazer ajustes finos no que foi previamente acordado."
Ribeiro lembra outro ponto fundamental. "O maior risco é decorrente do fato de que não foi Paulo Guedes quem conseguiu 57 milhões de votos no ano passado. Foi Jair Bolsonaro", afirma ele, observando que é o presidente "quem tem, em última instância, o poder legítimo para tomar decisões e a caneta para implementá-las".
Apesar disso, Ribeiro acha que "a combinação Maia-Guedes parece ser a melhor alternativa para destravar a reforma da Previdência", levando em conta a deterioração da relação entre Bolsonaro e boa parte da classe política, além da inoperância dos que deveriam ser os responsáveis por conduzir a articulação por parte do governo.
Na visão de Ribeiro, "o cenário predominante ainda é o de que alguma reforma da Previdência será aprovada", mas "é preciso rebaixar substancialmente as expectativas em relação ao prazo de tramitação e ao resultado final" da mudança. "Sem contar que aumentou bastante o risco de que novas derrapadas políticas provoquem o capotamento da reforma da Previdência e do país", conclui ele.
A turbulência política se dá num quadro de preocupante fraqueza no mercado de trabalho. Nos três meses até fevereiro, a taxa de desemprego ficou em 12,4%, equivalente a 13,1 milhões de pessoas. A situação é ainda mais dramática quando se olha para a taxa de subutilização, que inclui, além dos desempregados, quem trabalha menos tempo do que gostaria, aqueles que gostariam de trabalhar, mas não procuraram emprego, e os que buscaram, mas não estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência da pesquisa, como lembram os analistas do Banco Safra. Esse grupo ampliado atingiu 24,6% da força de trabalho no período, somando quase 28 milhões de pessoas. "É o dobro da taxa de desemprego estrita", dizem os economistas do Safra, observando que os números reforçam a avaliação de que o mercado de trabalho segue bastante fragilizado.
O ambiente de fraqueza na economia e confusão na política parece ter começado a afetar o ânimo de consumidores e empresários. Em março, o índice de confiança do consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV) recuou pelo segundo mês seguido em março, para 91 pontos, o menor valor desde outubro de 2018. A confiança da indústria também caiu no mês passado.
A persistir um ambiente político negativo, empresas e famílias permanecerão cautelosas, num quadro de piora das condições financeiras. Como diz a MCM, em outra nota, "a continuar no caminho trilhado pela política nas últimas semanas, mesmo com a aprovação de uma reforma parcial da Previdência, o país acabará voltando para um cenário de crescimento medíocre, limitado por uma insuficiente redução da incerteza, por uma tímida elevação da confiança e pela provável deterioração geral das expectativas." A redução do desemprego, com isso, seria ainda mais lenta do que se espera.
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