- O Globo
Valor baixo da aposentadoria exige o esforço de poupar para o futuro, mas seis em cada dez brasileiros não guardam dinheiro
A crise da Previdência é tão aguda que acaba deixando fora do debate alguns aspectos importantes. Um deles, que certamente devia ter mais atenção, é que o brasileiro se prepara mal para a aposentadoria. Não é uma exclusividade nossa, mas os números não ajudam.
Seis em cada dez brasileiros não poupam dinheiro para quando se aposentarem, apontou pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) feita em março. O trabalho, em parceria com o Banco Central, sinaliza uma ameaça à qualidade de vida na velhice da maioria da população.
Mesmo em países como o Brasil, em que a Previdência garante uma renda a partir de uma certa idade — e pelo modelo atual, de um certo tempo de contribuição —, esse valor costuma ser mais baixo do que o aposentado recebia na ativa. Para manter a renda, é necessário fazer uma reserva. Mas só 41% dos entrevistados da pesquisa têm essa preocupação.
É claro que o momento não é dos melhores, com o desemprego alto e a economia ainda sofrendo efeitos da recessão. Mas guardar dinheiro para a aposentadoria deveria ser uma das coisas mais fáceis, dado o período — três ou mesmo quatro décadas — que cada um tem pela frente quando começa a trabalhar. Fossem as pessoas os seres 100% racionais de alguns livros de economia, seria mesmo assim.
Mas não é. Como já visto muitas vezes neste espaço, as pessoas acabam cedendo a tentações e impulsos, fazendo gastos agora e deixando a poupança para depois. É um impulso humano favorecer as recompensas imediatas, como uma compra ou uma viagem, àquelas que demorariam mais, mesmo que estas sejam maiores, como ter uma velhice mais tranquila.
Por exemplo, quando se tem entre 16 e 29 anos, o esforço de poupar para a aposentadoria é muito menor, mas a vontade de gastar é muito maior, segundo estudo de 2007 com essa faixa etária feito pelo Departamento do Trabalho e Pensões da Inglaterra. Uma revelação interessante é que os adolescentes até tinham noção da importância de economizar, porém a maioria dos entrevistados dizia ter mais direito a gastar porque ainda era jovem.
Isso se repete em outras faixas de idade. Só metade dos americanos poupa para a aposentadoria e, quando o faz, é apenas metade do necessário, indica outro levantamento, de 2018, do Centro para a Longevidade da Universidade de Stanford. Nos Estados Unidos, cada pessoa devia guardar entre 10% e 17% do que ganha para uma velhice tranquila. Em vez disso, poupa de 6% a 8%.
No caso americano, uma saída para compensar essa situação é a adesão automática — a menos que haja manifestação em contrário — dos trabalhadores a planos corporativos de aposentadoria, para o qual empresas e empregados contribuem. Trata-se de um “empurrão” inspirado nas ideias de Richard Thaler, ganhador do Nobel de Economia em 2017, que usa a economia comportamental para estimular a poupança dos trabalhadores.
Thaler e seu colega Shlomo Benartzi conseguiram elevar a poupança para 13% do salário em um grupo de trabalhadores de duas empresas. O modelo, publicado no Journal of Political Economy em 2004, hoje baliza programas de empresas e governos. Mas nem isso, mostra o trabalho de Stanford, está dando conta.
Com as pessoas vivendo mais, alguns economistas falam do risco de uma catástrofe na velhice em vários países. Discutir a Previdência é necessário e importante, mas não basta. O próximo passo, aprovada a reforma, deveria ser um debate público sobre como as pessoas podem poupar mais para a aposentadoria. O futuro, afinal, não espera.
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