Caos na articulação política suscita preocupação em deputados, que veem tentativa de desmoralizar Legislativo
Thais Bilenky / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - A trégua ensaiada entre os presidentes da República, Jair Bolsonaro (PSL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois de dias de bate-boca não desfez o temor entre parte dos deputados com as consequências do desarranjo político do governo.
Congressistas de direita e centro-direita passaram a semana manifestando preocupação com a forma como o Executivo, em especial Bolsonaro, trata o Legislativo.
O presidente fez provocações públicas a Maia, que retribuiu. As discussões envenenaram o ambiente político e as expectativas do mercado. Na quinta-feira (29), a disputa arrefeceu, mas o ceticismo permanece.
Sem esforço de Bolsonaro para organizar uma base aliada para aprovação da reforma da Previdência, deputados dizem que ele flerta com o caos na intenção de desmoralizar o Congresso perante a opinião pública.
A conversa chegou a Maia, que reagiu com cautela. "Precisamos ter paciência e fortalecer o Poder Legislativo", disse o presidente da Câmara à Folha. "Com as instituições fortes e equilibradas —Supremo Tribunal Federal, Legislativo, Executivo e imprensa livre—, não haverá risco de ruptura."
A exoneração do funcionário do Ibama que multou Bolsonaro por pesca irregular, a demissão da presidente da Embratur e dois diretores e a desautorização do ministro Sergio Moro na indicação de IlonaSzabó para a suplência de um conselho são, para alguns deputados, indícios de autoritarismo do presidente.
Parte dos parlamentares com bom trânsito com Maia advoga que o Congresso deve dar seguidos recados ao governo, com a aprovação de projetos que contrariam interesses do Executivo.
Outro grupo pondera que, se aprovar medidas para atrapalhar o governo, o Legislativo acabará alimentando a narrativa do Planalto de que prioriza interesses não republicanos.
Por isso, esses deputados veem com preocupação momentos como a aprovação relâmpago, na terça-feira (26), da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que torna o Orçamento ainda mais engessado.
Aliados de Maia dizem que líderes do centrão queriam ir mais longe e acelerar a tramitação de projetos ainda piores para o Executivo. Segundo os relatos, Maia conteve os ímpetos e a PEC foi uma imposição dos líderes como denominador comum.
"Quando o diálogo fica muito difícil, cada um tem de ocupar o seu quadrado, Executivo, Câmara, Senado, cada um fazer a sua parte", disse o líder do PP, Arthur Lira (AL).
Notam deputados que a especulação em torno de um hipotético impeachment, da mesma forma, fortalece a versão segundo a qual os deputados achacam o presidente para dar a ele os resultados legislativos que espera.
O impasse da reforma da Previdência é mais um fator que pode ser usado por Bolsonaro, eles afirmam. Ao dizer que "a bola está com o Congresso", o presidente lava as mãos, sinalizando à população que uma eventual não aprovação é culpa de deputados que não querem o bem do Brasil.
A apreensão com o autoritarismo foi reforçada com manifestações de Filipe Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, olavista e próximo ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Em uma série de publicações na semana passada, ele fez um manifesto anti-establishment, pregando um canal direto com a população. Para Martins, é urgente "uma coordenação efetiva entre as diferentes alas do governo para trazer o apoio popular para dentro da equação, de modo que o povo tenha um papel ativo na proteção da Lava Jato, na promoção das reformas econômicas e na quebra da velha política".
O temor com uma ruptura encontra eco na esquerda, que se levantou contra a determinação de Bolsonaro para que o 31 de março, dia do golpe que instaurou a ditadura militar em 1964, fosse comemorado. Depois, ele recuou, falando em rememoração. Uma liminar chegou a vetar celebrações, mas ela foi cassada pela Justiça Federal.
A semana da Câmara foi pautada por discursos na tribuna de deputados de oposição alertando para o risco de ameaças à democracia.
No governo, um ministro disse reservadamente que o Congresso cava a própria cova ao insistir na obtenção de cargos em troca de apoio. Para ele, ao criticar a "velha política", Bolsonaro e companhia reagem à fome por postos de bom orçamento.
Há, no entanto, um espaço vazio de articulação legítima, sem a qual o governo sofre derrotas e desgastes evitáveis. No caso da PEC do Orçamento, por exemplo, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, foi um dos três votos contrários, ante os 448 a favor no primeiro turno.
Ela gargalhou ao saber que o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), votou a favor e disse ter sido uma vitória do governo.
"Não acredito que o governo esteja trabalhando com o caos", disse o vice-presidente da Câmara e presidente do PRB, deputado Marcos Pereira (SP). "É falta de experiência, até porque o Congresso tem todas as condições constitucionais para não permitir que eventuais vontades pessoais autoritárias prevaleçam no país."
Com indicadores econômicos ruins, como o aumento do desemprego para 13,1 milhões de pessoas, e popularidade em queda, o governo terá mais dificuldades para mobilizar a população a seu favor. "O povo não quer saber de ideologia, o povo quer saber de resultado", afirmou Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria.
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