- Valor Econômico
Fracasso da NME parece lição ainda não assimilada
Uma das principais lições da terrível crise econômica que assola o país há longos seis anos parece não ter sido totalmente assimilada - sem credibilidade, políticas expansionistas não dão certo, não entregam o prometido, que é a aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O experimento conhecido como "Nova Matriz Econômica (NME)" foi, talvez, o melhor exemplo de uma política econômica que, destituída de qualquer credibilidade, não apenas fracassou, mas também destruiu conquistas acumuladas por dois governos ao longo de 12 anos (de 1999 a 2010).
Memória: depois de crescer insustentáveis 7,5% em 2010, graças a uma hiperdose de estímulos fiscais, a economia brasileira teria que passar por um ajuste em 2011 para evitar que a inflação, que fechou o ano anterior acelerando o passo, superasse a meta da ocasião (o teto do regime era 6,5%); a equipe econômica do novo governo (de Dilma Rousseff) fingiu, nos primeiros seis meses, que faria a necessária correção de rumo, mas, em agosto, mostrou ao que veio - reduziu a taxa básica de juros (Selic) na marra, adotou medidas para administrar a taxa de câmbio à revelia dos fluxos do mercado e usou a margem fiscal acumulada nos anos anteriores para estimular a atividade.
Em 2012, a taxa Selic caiu ao menor patamar da história até então - 7,25% ao ano -, o câmbio foi artificialmente desvalorizado e a meta fiscal, âncora do tripé de política econômica vigente desde 1999, eliminada (para atender às exigências da lei, que fixa uma meta fiscal para cada ano, o governo primeiro lançou mão primeiro da contabilidade criativa e, depois, das "pedaladas fiscais", metáfora que designa o uso de bancos federais para pagar despesas orçamentárias, um pecado constitucional).
As justificativas usadas para mudar o regimes foram duas: a economia europeia, devastada pela crise mundial de 2007/2008, dava sinais "contundentes" de que entraria novamente em turbulência a partir dali (2011); ademais, o Brasil precisava mudar o seu equilíbrio macroeconômico, substituindo o binômio juros altos-câmbio apreciado pela equação juros baixos-câmbio desvalorizado. A inspiração era a Turquia, economia emergente que, na mesma época, abandonou o regime de metas para inflação e ingressou numa perigosa aventura, como se viu depois.
Deu tudo errado: a União Europeia de fato desacelerou entre 2011 e 2013, mas não a ponto de mergulhar na tragédia antecipada por Brasília. Pivô daquela crise, os Estados Unidos já estavam emergindo, uma informação relevante que deveria ter sido levada em conta, afinal, a recuperação americana mudaria o cenário europeu. A Turquia, por sua vez, expandiu-se por um par de anos a taxas de dois dígitos, mas os desequilíbrios, dada a inconsistência da política, soçobraram: a inflação explodiu e o PIB desacelerou. O preço da peripécia foi pago pela democracia, uma vez que a crise fez o mandatário amparar-se no autoritarismo para governar.
O objetivo da guinada da política econômica no Brasil em 2011 teria sido aceitável se, juntamente com o anúncio das metas, o governo tivesse adotado um programa fiscal rigoroso - reforma da Previdência em primeiro lugar -, que redesenhasse o Estado brasileiro, de forma a torná-lo financiável de maneira não inflacionária. A variável a ser alterada era a fiscal, âncora de qualquer equilíbrio, mas a turma da NME tinha por hábito começar as coisas pelas consequências - "o juro está alto! Reduza-se o juro"; "o real está muito valorizado! Desvalorize-se a taxa de câmbio".
Não havia credibilidade por parte daquela equipe econômica para melhorar a situação fiscal, nem muito menos compromisso da então presidente da República, Dilma Rousseff, com o equilíbrio das finanças públicas. As crenças de Dilma e de alguns de seus assessores remontavam a um passado morto e enterrado, quando se acreditava que intervenções do governo no sistema de preços funcionavam porque Brasília assim decidia.
Na verdade, essas políticas nunca funcionaram e, por isso mesmo, criaram amarras das quais temos enorme dificuldade de se livrar (um exemplo? Décadas de patrimonialismo forjaram no brasileiro um valor anti-ético por definição para quem vive em sociedade: "não pense no que você pode fazer pelo Brasil, mas naquilo que o Brasil deve fazer por você").
A ausência de credibilidade da NME, por fim, jogou o país num período nebuloso, do qual ainda não saímos - três anos de recessão (2014-2016) e, até o momento, outros três (2017-2019) de baixíssima expansão (alta média de 1% ao ano). A NME não criou a crise fiscal brasileira, mas desorganizou o que de bom tinha sendo feito por gestões anteriores e acelerou o que já era ruim (o desequilíbrio fiscal).
Na entrevista que concedeu ao Valor, o novo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, insistiu nesse ponto: sem credibilidade, políticas econômicas expansionistas não funcionarão. Há apenas três meses no cargo, ele é cobrado pelo fato de a economia seguir em marcha lentíssima, com risco, inclusive, de entrar em novo período recessivo, uma vez que, entre janeiro e março, recuou 0,2%.
"A perda de credibilidade causa um problema em que o reparo leva muito tempo. Perder credibilidade é muito mais fácil do que ganhar", observou Campos Neto, que não é um presidente de BC isolado no setor de autarquias Sul da capital federal - ele integra o grupo de economistas que, desde março, abril, do ano passado, antes portanto da eleição, ajudaram Paulo Guedes a fazer um diagnóstico da tragédia econômica nacional e a formular um plano de voo. Nas discussões, realizadas de forma sistemática, tudo foi discutido, da forma como o Ministério da Economia, sucedâneo da Fazenda, funcionaria até detalhes das políticas que seriam adotadas, passando pela definição dos integrantes da nova equipe econômica.
Campos Neto deixou claro que dará continuidade à gestão de seu antecessor, Ilan Goldfajn, na área macroeconômica, mas aprofundará as mudanças numa área que também o fascina - a microeconomia, por onde passa um projeto ambicioso de democratização do acesso dos brasileiros ao crédito.
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