Por Hugo Passarelli | Valor Econômico
SÃO PAULO - Seis ex-ministros da Educação lançaram ontem um documento com alertas sobre o rumo das políticas públicas da área no Brasil. Para os ex-dirigentes da pasta, o governo de Jair Bolsonaro enxerga a educação como uma "ameaça" e ignora o amplo consenso construído por especialistas ao longo das últimas décadas.
"É impressionante que, diante de um assunto como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade", diz texto conjunto de José Goldemberg, Murílio Hingel, Cristovam Buarque, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e Renato Janine Ribeiro.
Os seis apresentaram suas análises no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). No evento, os ex-ministros sugeriram a criação de uma ampla frente em defesa da educação e anunciaram a instalação de um Observatório da Educação Brasileira, que pretende ser um canal de diálogo com a sociedade. O grupo deve, a partir de agora, realizar reuniões periódicas para acompanhar a situação das políticas educacionais e propor soluções ao governo e ao Congresso.
A reformulação do Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica, e a autonomia universitária são os dois temas de maior preocupação do grupo e devem pautar as próximas discussões. Debates sobre igualdade de oportunidade também devem entrar na pauta dos próximos encontros.
Conforme mostrou o Valor na segunda-feira, o Ministério da Educação (MEC) deve defender no Congresso um modelo de Fundeb permanente, mas só vai aceitar discutir a elevação do patamar atual de repasse a Estados e municípios se houver contrapartida definida de receitas. As principais propostas conhecidas para o Fundeb preveem elevação gradual da complementação da União.
"Muito tem de ser feito, tudo pode ser aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na destruição das conquistas", destaca a nota dos ministros.
Segundo José Goldemberg, ministro entre 1991 e 1992, no governo Collor, o MEC tem atuado com esforços "alheios" ao que se entende por educação. "Autonomia dos professores e liberdade de cátedra são questões absolutamente inegociáveis", disse Goldemberg. Segundo ele, que também foi reitor da USP, é preciso salientar que autonomia não é equivalente a soberania. "O dinheiro vem da população. A função do Estado é garantir a qualidade e as condições para que professores e todos os gestores exerçam essa função."
"Estamos no segundo ministro [do governo Bolsonaro] e não vi nenhum dos dois falando do que mais interessa na educação básica, que é a aprendizagem, deslocando o debate para temas laterais, como Escola Sem Partido e homeschooling [educação domiciliar]. A educação não pode ser uma rinha partidária", disse Fernando Haddad, ministro entre 2005 e 2012, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e candidato do PT à Presidência, derrotado por Bolsonaro, nas eleições de 2018. "O alarme já soou em várias áreas", acrescentou. No início de maio, oito ex-ministros de Meio Ambiente realizaram iniciativa semelhante para criticar as ações do governo nesta seara. Ontem, 11 ex-ministros de Justiça e Segurança alertaram, em artigo para o jornal "Folha de S.Paulo", sobre os riscos da flexibilização do porte de armas.
Desde que foram criadas as metas de qualidade a partir do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ressalta Haddad, os alunos do ensino fundamental melhoraram seu desempenho e, mesmo no ensino médio, "houve leve inflexão positiva". "Se o governo tirar o foco da aprendizagem, vamos piorar, em vez de melhorar", disse.
Para Cristovam Buarque, ministro entre 2003 e 2004, no primeiro governo Lula, há ainda outros alertas no radar. "Vejo risco de perda da escola laica. Outro ponto é a asfixia por falta de recursos, seja pela dificuldade na volta do crescimento da economia, seja pela falta de prioridade no gasto com educação." Segundo ele, não se deve desprezar também as ofensivas ideológicas. "É um risco querer fazer da educação um aparelho para atender às ideias que o governo e seus ideólogos têm", disse.
Nesse sentido, Renato Janine Ribeiro, ministro por seis meses durante 2015 no governo Dilma, diz que as iniciativas do governo buscam expressar uma percepção de que a educação é perigosa, trazendo à tona pautas como Escola Sem Partido e ideologia de gênero. "Por alguma razão, o governo responsabiliza a educação pelo avanço de liberdades individuais, como o direito das mulheres e a liberdade sexual."
Para Aloizio Mercadante (ministro entre 2012 e 2014 e, depois, de meados de 2015 a 2016, nos governos de Dilma), é preocupante o risco de não aprovação do novo Fundeb, que levaria não só a um comprometimento dos recursos aplicados na educação básica, mas também a um obstáculo à melhor redistribuição de verbas. "Há ainda a proposta de desvinculação de receitas, que representaria um desmonte da educação pública."
O documento ainda pede a continuidade de políticas públicas, como o aprimoramento da formação de professores, a atenção à Base Nacional Comum Curricular e à reforma do ensino médio.
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