- Valor Econômico
Enquanto tiver alguém disposto a morrer...
O Gabinete de Segurança Institucional prepara mudança no sistema de segurança do chefe de Estado, o presidente do Brasil, basicamente para modernizá-lo, torná-lo mais adequado aos novos tempos de comunicação digital, informação veloz e necessidade de integração dos órgãos de inteligência. Serão revistos métodos, qualificação do pessoal e definidos critérios para conhecimento amplo sobre o personagem a ser protegido. No caso deste governo, Jair Bolsonaro.
Adélio, o autor do atentado ao presidente, não é o único a inspirar as mudanças e a nova adaptação da segurança presidencial. As ameaças a Jair Bolsonaro têm aumentado e o GSI considera natural esse crescimento do risco, à medida em que, como chefe do governo, o presidente começa a contrariar interesses, a governar.
O aparato de segurança tem que funcionar de acordo com o alvo, é a questão de fundo que se considera nos estudos. Seus hábitos, sua personalidade, sua história, seus objetivos no cargo, seus inimigos, seu temperamento, as condições em que se apresenta no momento em que precisa ser protegido, sua forma de fazer política.
Bolsonaro, por exemplo, faz política como uma guerra, e os adversários são inimigos de guerra. A ponderação, a negociação, a tolerância, a simpatia para conquistar adeptos, não são atributos próprios a quem está em guerra. É preciso uma adaptação da sua segurança. Bolsonaro, também, fez ressuscitar cenas já ultrapassadas da exposição pública das autoridades. Hoje, por exemplo, não se vê mais nenhum candidato sendo carregado por populares em passeata pelas ruas, a não ser Jair Bolsonaro na sua campanha presidencial, oportunidade em que sofreu o atentado que quase o matou.
Dado o seu estilo, o que sofreu foi um risco absolutamente previsível e é claro que ele sabia disso. Na entrevista que concedeu à "Veja" no fim de semana, ele fala sobre o assunto com a emoção de quem viu a morte de muito perto, mas com a naturalidade de quem se sabe exposto ao risco, inclusive na indignação com o rumo das investigações, que até o momento consideram seu agressor inimputável. Como um radical provocador, tem convicção de que pode atrair opositores radicais provocadores.
Esse o personagem atual a ser protegido pelo sistema de segurança, como o vemos de fora, mas não são características muito diferentes as identificadas por dentro do sistema em reformulação.
A proteção ao alvo é fundamental mas a integridade cem porcento não existe. "Qualquer manual de segurança de autoridade, na primeira página, até o almanaque do Tio Patinhas, diz isso, que se o sujeito (agressor) estiver disposto a morrer, pode botar a segurança que quiser que não adianta. Não há aparato que segure o agressor. Pode ser um homem bomba, pode ser - o que a maioria das vezes aconteceu no mundo -, um atentado montado pela guarda pessoal", afirma o general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, responsável pela segurança do presidente.
Bolsonaro, argumenta-se nas discussões, não é um presidente qualquer como não foi um candidato qualquer. Nessa constatação está embutido o fato de que, se morresse em campanha, não teria substituto, mudaria radicalmente o quadro eleitoral; da mema forma que, como alvo, agora já presidente, sua ausência mudaria completamente a história do Brasil. O projeto Jair Bolsonaro não tem reposição, o que torna sua segurança mais complexa ainda. "Era um alvo compensador, como candidato, continua sendo um alvo compensador, como presidente", constata o Gabinete de Segurança.
Além do perfil do protegido, há o avanço tecnológico. Segundo observa o ministro da GSI, hoje uma "fake news" circula mais rapidamente do que qualquer informação verdadeira, consistente, que possa ser levantada. No caso da Presidência da República, pela Abin. "Isso aqui está sendo transformado, de informações não processadas, não qualificadas, não verificadas, para informações de outro nível", comenta o ministro da GSI.
Os novos meios de comunicação digitais serão também profundamente estudados. Há fontes com acesso aos estudos que atribuem os problemas que quase levaram à demissão do ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, a uma clonagem do seu WhatsApp.
"Hoje tem esse troço aqui [celular] que você faz ameaças com muita facilidade, coloca um 'zap' [WhatsApp] no celular do outro, nem caracteriza que é seu. A gente não pode ignorar, porque, se ignorar e acontecer alguma coisa você vai ter que se explicar", afirma.
Os órgãos de inteligência terão que evoluir, e acostumar-se a uma disputa desigual com boatos, com "fake news", diz o general, lembrando-se de outros tempos:
"A maior mentira do mundo é a carta anônima. O que é a 'fake news'? É uma carta anônima. Depois que você ler aquilo ali, até sair um desmentido todo mundo achará que é verdade. Essa é uma concorrência totalmente desigual, desonesta, para um órgão que produz informação".
Os estudos propõem a integração de forças. As mudanças têm, segundo o ministro, ocorrido no mundo inteiro. "Depois que inventaram Instagram, 'zap', Twitter, as inteligências formais, qualquer uma delas, CIA, FBI, Abin, a da Argentina, não têm condições de competir em velocidade da informação. "Como eu posso frear a chegada de mensagens ao presidente dizendo que 'fulano não pode estar em tal lugar porque é corrupto'?
O ministro comenta que a integração entre os órgãos de inteligência, em qualquer país do mundo, é algo complicado. "É só ver o histórico da CIA com o FBI. Informação é poder, e ninguém gosta de dividir poder. Porem, a Polícia Federal, inegavelmente, é o órgão brasileiro que tem mais intimidade com a informação, assinala Augusto Heleno. "Informação que normalmente não é no nível estratégico, como é o caso da Abin. Mas a informação estratégica tem naturalmente uma ligação com a informação operacional, se eu puder conjugar isso ai, se pudermos juntar policia militar, civil, centro de inteligência da Marinha, Exército e Aeronáutica, eu vou ter um serviço de inteligência mais efetivo.
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