terça-feira, 11 de junho de 2019

Pelo devido processo: Editorial / Folha de S. Paulo

Mensagens oriundas de ato ilícito mostram comportamento às raias da promiscuidade

Quem acompanha a movimentação de juízes, policiais e procuradores desde que se instalaram as mais ambiciosas e bem-sucedidas operações anticorrupção no Brasil não se surpreendeu, infelizmente, com a revelação da proximidade, às raias da promiscuidade, entre o então magistrado federal Sergio Moro e investigadores da Lava Jato.

Trechos de mensagens privadas divulgados pelo site The Intercept sugerem que o juiz nem sempre observou a equidistância entre acusação e defesa. Deu dicas de estratégia processual aos procuradores sob o comando de Deltan Dallagnol, repassou-lhes o nome de um possível denunciante e cobrou-lhes pelo estio de operações policiais.

Sobre os procuradores, diálogos indicam ansiedade com fatos acerca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no episódio da divulgação irregular da conversa com sua sucessora Dilma Rousseff, em março de 2016, e sobre a perspectiva, afinal censurada pelo Supremo Tribunal Federal, de entrevista à Folha, em setembro de 2018.

As mensagens, tudo leva a crer, foram subtraídas de procuradores da Lava Jato em ação criminosa. Trata-se de um delito grave, que precisa ser apurado pela Polícia Federal. Não é reconfortante que esteja sob a mira de malfeitores um grupo de autoridades incumbidas de investigar crimes de corrupção.

Também há que considerar a origem anômala das provas no momento de decidir se podem ser usadas na Justiça, em ações que decerto surgirão dessas informações, procurando anular algumas decisões tomadas por Moro como juiz.

Ao jornalismo, entretanto, desde que não tenha participado do ato de extração ilegal dos dados, cabe a tarefa de avaliar o que há ali de interesse da coletividade e publicar.

Não haveria nada de relevante a tornar público, nesse caso, se juiz e procuradores tivessem se mantido sempre dentro dos respectivos protocolos. Juiz julga. Comunica-se com as partes, como são o Ministério Público para a acusação e os advogados para a defesa, apenas nos atos formais previstos na lei.

A Lava Jato tem uma obra invejável a defender. Quebrou paradigmas de impunidade em elites empresariais e políticas que se lançaram numa corrida desleal e corrupta por privilégios, poder e negócios.

Mas, com alguma frequência, foi flagrada também a praticar heterodoxias processuais e a patrocinar invectivas que ameaçam direitos fundamentais de quem é perseguido por um braço do Estado.

Nesse período, o cacoete de extrapolar papéis constitucionais, em nome do combate ao crime, também se manifestou em autoridades na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal.

Não é forçando limites da lei que se debela a corrupção. Quando o devido processo não é estritamente seguido, só a delinquência vence.

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