Novos dados confirmam que o Brasil segue sendo uma das nações mais violentas do planeta, apesar de teoricamente viver em período de paz, sem conflitos com vizinhos. Ocorreram 65,6 mil assassinatos no país em 2017, elevando a taxa de homicídios ao patamar recorde de 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes, de acordo com dados do Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), baseado em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS).
A taxa de homicídios subiu pelo quarto ano consecutivo, com aumento de 4,2% sobre 2016. Em levantamento mais recente da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil estava no sétimo lugar em 2016, com 31,3 mortes violentas por 100 mil habitantes, praticamente o dobro das 15,5 registradas no Iraque, mas atrás de países como Honduras, que lidera esse ranking macabro, com 55,5 assassinatos por 100 mil habitantes, seguida pela Venezuela, com 49,2, e El Salvador, com 46.
Apesar de o Brasil não enfrentar confronto externo, passa por graves conflitos internos, resultado da elevada criminalidade, relacionada a políticas públicas falhas e segurança deficiente. Segundo avaliação do Ipea e do FBSP, a disputa pelo controle do tráfico de drogas no Brasil influenciou as estatísticas da violência em 2017. Desde o ano anterior, as duas maiores facções do país, PCC e CV, se enfrentam pelo domínio do tráfico internacional da cocaína, cuja produção migrou da Colômbia para Peru e Bolívia, tornando o Brasil rota de passagem para o envio da droga à África e Europa.
Como as brigas se concentram no Norte e Nordeste, marcadas por alguns dos mais sangrentos massacres em presídios, os Estados dessas regiões mostram índices crescentes de homicídios. No Ceará e no Acre, o aumento foi dez vezes maior do que a taxa nacional, de 48,2% e 39,9%, respectivamente; no Rio Grande do Norte, de 17,7%; em Pernambuco, de 21%; no Amazonas, de 13,5%; e em Roraima, de 19,6%. Já o Sudeste e Sul tiveram taxas menores. Nos dez anos terminados em 2017, foi de 82% o aumento dos homicídios nos Estados do Norte. Enquanto isso, houve queda de 17% no Sudeste, apesar do aumento do número de mortes violentas com causa indeterminada, o que, para especialistas, pode estar ocultando óbitos não classificados como homicídios.
Os pesquisadores preveem melhora dos indicadores em 2018 e neste ano. De fato, dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), ligado ao Ministério da Justiça, que diferem dos registrados pelo Ministério da Saúde, constataram queda dos homicídios dolosos de 53,4 mil em 2017 para 45,6 mil no ano passado, patamar ainda bastante elevado. Já em relação a este ano, houve queda no primeiro trimestre, mas a comemoração parece ter sido precipitada. Ainda no mês passado uma rebelião em presídio de Manaus deixou 56 mortos, pouco menos da metade do saldo macabro da revolta de 2017.
Os dados do Atlas da Violência têm uma face ainda mais cruel - o aumento do assassinato de jovens, dos negros, das mulheres e os motivados por questões de gênero. Apesar de todas as campanhas contra a violência doméstica, a taxa de assassinato de mulheres aumentou acima da média nacional, em 5,4% em 2017, com notável crescimento dos casos em residências e das mortes causadas por armas de fogo.
Nesse contexto, ocorre o debate em torno da flexibilização do porte das armas, defendido pelo governo e pelo presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, na apresentação do relatório, contrariando posição dos pesquisadores que elaboraram o estudo. O relatório do Ipea salienta que o Estatuto do Desarmamento, implantado em 2003, freou a velocidade com que vinham crescendo as mortes causadas por arma de fogo no Brasil, que seriam ainda mais elevadas não fosse a mudança. A taxa média anual de alta dos homicídios por arma de fogo era de 5,44% antes do Estatuto do Desarmamento e caiu para 0,85%, posteriormente, entre 2003 e 2017.
Não bastassem os argumentos humanitários para se combater a violência, há ainda o aspecto econômico. Calcula-se que as despesas do país com segurança pessoal, seguro e relacionadas; despesas públicas com prevenção, repressão e saúde; e custos intangíveis, como perda com turismo em função do receio dos estrangeiros, tenham um impacto equivalente a 6% do Produto Interno Bruto (PIB), sem falar de desestímulo aos investimentos.
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