- Folha de S. Paulo
Debate polarizado da Lava Jato obriga a escolher entre atropelo e impunidade
A divulgação de conversas privadas entre procuradores e o ministro Sergio Moro acirraram as disputas sobre o significado da Lava Jato e seu impacto sobre o processo político. Dominado pela polarização, o debate público é empurrado para um falso dilema.
As conversas que foram vazadas mostram revelações embaraçosas, como Dallagnol reconhecendo a fragilidade das provas no caso dotríplex; motivações impróprias, como procuradores definindo o direito de um preso ser entrevistado com base nos efeitos políticos da entrevista, e não com base na lei; e condutas na margem da legalidade, como um juiz instruindo a Procuradoria (será que é por isso que, nas conversas entre os procuradores, Moro é chamado de “russo”, numa alusão à máxima de Garrincha, a respeito das jogadas ensaiadas, de que “é preciso combinar com os russos”?).
Durante a tarde de domingo e por toda a segunda-feira, o assunto dominou as mídias sociais.
A esquerda defendeu que o vazamento era prova cabal da parcialidade da Lava Jato, do caráter político do julgamento do ex-presidente Lula e de que o impeachment de Dilma Rousseff foi efetivamente um golpe parlamentar.
Já a direita alegou que o que se vê nas conversas é um forte compromisso moral dos procuradores com o combate à corrupção, a adoção de uma visão estratégica contra políticos que querem impedir a operação e que o único crime ali é o vazamento de mensagens privadas.
De um lado, as condutas inapropriadas dos procuradores e do então juiz são o pretexto para a esquerda tentar persuadir o público de que Lula e seu partido são inocentes e perseguidos, que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe parlamentar com o assentimento e colaboração do Judiciário e que a ascensão de Jair Bolsonaro se deu apenas sobre uma sucessão de logros.
Do outro lado, apenas se constata a necessidade cada vez mais premente de endurecer o combate à corrupção, que precisa atropelar os ardis da esquerda corrupta, a colaboração velada da imprensa e o preciosismo jurídico a serviço da impunidade.
No jogo amarrado da polarização, o público é levado a escolher entre o atropelo do devido processo legal e a impunidade pura e simples.
Por isso, mais do que nunca, é preciso articular uma posição independente na qual se reconheça a gravidade do que foi revelado pela Operação Lava Jato, a atribuição da responsabilidade política de quem governava durante o período e a necessidade de que a investigação e o julgamento dos ilícitos aconteçam dentro dos parâmetros da lei e da Constituição, equilibrando o rigor e a proteção de direitos.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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