- Valor Econômico
Em disputa, bandeira do combate à corrupção
Existe hoje, no Congresso Nacional, uma reflexão sobre as perspectivas - e também a duração - da relação entre o presidente da República e a classe média. Essa conexão, na avaliação de aliados do Palácio do Planalto e da oposição, foi fundamental para a vitória de Jair Bolsonaro na eleição e tende a ser fator determinante na definição do nível de apoio popular que o governo conseguirá manter daqui em diante.
A disputa política em torno dos anseios das camadas mais ricas e mais pobres da população já está dada. A despeito da falta de uma base de sustentação consolidada no Legislativo, a equipe econômica está mobilizada para atender às expectativas do setor produtivo e do mercado financeiro e, assim, reaquecer a economia o mais rápido possível. Por um lado, tenta destravar as negociações da reforma da Previdência. De outro, avança internamente no planejamento dos passos seguintes à reforma.
As cartas em relação aos interesses da base da pirâmide social brasileira também estão na mesa. Dia após dia, Bolsonaro e aliados alertam sobre as dificuldades encontradas no Congresso na votação do projeto de lei que autoriza o governo a realizar operação de crédito para quitar despesas correntes. Pagamentos a beneficiários do Bolsa Família e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), idosos e deficientes atendidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) dependem desse aval. Mas tem restado ao governo a acusação de que os partidos de esquerda serão responsáveis pela suspensão dos repasses, uma vez que o presidente está decidido a não cometer crime fiscal.
A fidelização da classe média ao governo federal, no entanto, ainda é vista como um processo inconcluso e com desafios à frente.
Os planos da administração Bolsonaro para as áreas de saúde e educação ainda são desconhecidos. Esses são dois temas caros ao cidadão que paga seus impostos em dia e não tem acesso aos melhores hospitais e instituições de ensino privados. Há porém, outros dois temas de maior apelo na classe média: a condição econômica da família e o combate à corrupção.
É de se recordar que esse mesmo binômio gerou percalços a antecessores do atual presidente. Dilma Rousseff, por exemplo, manteve-se de pé enquanto conseguiu empunhar a bandeira da luta contra a corrupção na Esplanada dos Ministérios, apesar da deterioração da economia. Foi retirada de cena quando sua administração perdeu o estandarte da ética. O ex-presidente Michel Temer também viu seu capital político dissolvido em meio a uma série de denúncias.
Bolsonaro tem se empenhado para manter a classe média o mais esperançosa possível. Vem marcando presença em programas populares de televisão, apostando em boas novas em relação ao programa Minha Casa, Minha Vida, à liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ao transporte gratuito de bagagens em viagens de avião, a mudanças nas leis de trânsito e redução da burocracia. Todos essas medidas têm uma característica em comum: tocam o cotidiano da grande maioria do eleitorado.
Contudo, lamentavelmente o desemprego permanece em um patamar elevado. Outros indicadores, como a retração do consumo e o aumento do endividamento das famílias, também sugerem que pode não haver muito mais espaço para contar com a paciência de milhões de brasileiros. É o risco de colapso social para o qual líderes partidários e representantes da iniciativa privada têm apontado. Além disso, questiona-se até quando o governo federal terá condições de ostentar a bandeira do combate à corrupção, fator que teve peso decisivo na vitória eleitoral de Bolsonaro.
São vários os motivos que levam interlocutores do governo no Congresso a terem tal dúvida. Ironicamente, assim como ocorreu com Dilma Rousseff, logo no início do governo o presidente precisou encarar denúncias contra seu indicado para o Ministério do Turismo e depois um escândalo envolvendo um ministro com gabinete no Palácio do Planalto. No caso de Dilma, o titular da Casa Civil. Já Bolsonaro teve problemas com o então secretário-geral da Presidência.
O PSL, partido do presidente, passa por divisões internas e suspeitas de irregularidades. A família de Bolsonaro também é objeto de investigações e, como se não bastasse, agora o ministro da Justiça, Sergio Moro, é alvo de um vazamento de supostas mensagens trocadas com integrantes da Operação Lava-Jato. Justamente ele, que fora transformado em símbolo do combate à corrupção.
Durante a campanha eleitoral e o período de transição, auxiliares do presidente já apontavam que Bolsonaro representava a classe média abandonada pela esquerda. Há cerca de um mês, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, elevou o tom. Em audiência pública no plenário da Câmara dos Deputados, o ministro lembrou alertas de ideólogos petistas sobre o perigo que a classe média supostamente representava ao projeto político do partido.
Meses depois de concluído o processo eleitoral, petistas ainda se ressentem do que consideram a transformação da classe média que se beneficiou dos governos do partido em um conjunto de autodenominados "cidadãos de bem". Em outras palavras, um grupo social que defende o combate ao crime comum e de colarinho branco com qualquer instrumento à disposição, mesmo que este transgrida a legislação. Que teria atualizado o dito "os fins justificam os meios" para conseguir retirar a sigla do poder.
O embate político sobre a atuação de Moro enquanto juiz federal inicia um novo capítulo, justamente no momento em que o Executivo tenta arregimentar votos para dar mais agilidade à reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. O discurso de que as mudanças nas regras de aposentadorias e pensões visam o fim de privilégios já está na rua. A guerra pela bandeira do combate à corrupção, no entanto, entra em território desconhecido.
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