Bolsonaro cria embaraço diplomático ao cancelar encontro com chanceler francês
Se a inaptidão de Jair Bolsonaro (PSL) transparece em declarações que vão da tolice à truculência, menos claras são as dimensões do dano que escolhas e atitudes desastradas do presidente poderão causar a políticas de governo e de Estado.
Por uma perspectiva mais otimista, constata-se que a medida mais urgente para a administração pública e o país —a reforma da Previdência Social— avançou em condições satisfatórias, graças ao empenho de líderes parlamentares e a despeito de uma ofensiva corporativista do chefe do Executivo em favor de policiais federais.
Outras trapalhadas, como um ensaio de intervenção no preço do diesel, não têm impedido que, em linhas gerais, a gestão da economia caminhe de forma coerente e racional —embora não o bastante, por ora, para restabelecer a confiança de empresários e consumidores.
A tentativa atabalhoada de ampliar por decreto o acesso a armas parou no Congresso; o Supremo Tribunal Federal barrou a reedição de uma medida provisória que transferia a demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura; não passará incólume, se prosperar, o esdrúxulo projeto que afrouxa as regras de trânsito.
Mesmo a constrangedora ideia de colocar o filho, Eduardo Bolsonaro, à frente da embaixada brasileira em Washington encontra um defensor de peso: o próprio Donald Trump, que acaba de mostrar boa vontade em fechar um acordo de livre-comércio com o Brasil.
Há limites institucionais e políticos, decerto, à ação do presidente. Não convém minimizar riscos, porém —e aqui nem é preciso especular sobre o impacto de manifestações de preconceito e intolerância sobre um eleitorado polarizado.
Um exemplo se dá na própria área diplomática. O cancelamento por alegados problemas de agenda de uma reunião com o ministro francês das Relações Exteriores, na segunda (29), poderia passar em branco se Bolsonaro não tivesse divulgado um vídeo em que aparece cortando o cabelo minutos após o horário do encontro.
A desfeita cria embaraços para as negociações em torno do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, já difíceis, e aguça as tensões entre o Brasil e parte relevante da comunidade internacional, incluindo a França, que cobra do Planalto maior compromisso com a preservação ambiental.
Retrocessos patrocinados pelo governo nesse setor prejudicam, além dos recursos naturais, a imagem e as oportunidades do país, o que só se agrava com o canhestro ataque a indicadores oficiais do desmatamento da Amazônia.
Esse é um triste caso em que ideias e palavras disparatadas, decorrentes de superstições ideológicas, ameaçam converter-se em atos.
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