- Folha de S. Paulo
Agenda de Bolsonaro mobiliza coalizão política tão forte quanto sem sintonia global
Além de distribuir insultos e ameaças a torto e direito, como de praxe, Bolsonaro vem de adicionar um pleonasmo à verborragia. Ensinou a uma plateia de militares que a questão ecológica importava apenas a "veganos que comem só vegetais".
E se confessou frustrado por não poder transformar a baía de Angra dos Reis, área de proteção ambiental, na "Cancún brasileira". Para arrematar, reiterou a disposição de resgatar os indígenas das "reservas" onde viveriam como em "um zoológico".
Na mesma semana, diplomatas brasileiros participaram, em Washington, de conclave reunindo figuras exóticas que negam a crise climática que se avizinha.
A fala destrambelhada do presidente se faz acompanhar do desmanche dos instrumentos de monitoramento da aplicação das leis de proteção ambiental e daquelas que garantem às populações indígenas o direito de viver em suas terras de acordo com seus costumes. Para tanto, o governo aposta na asfixia dos órgãos de controle pelo garrote dos orçamentos e a substituição de chefias competentes, bem como na tentativa de mudança da legislação sobre áreas de proteção, licenciamento ambiental e demarcação de territórios indígenas.
Além do mais, sua retórica tóxica incentiva o desmatamento ilegal da Amazônia e a invasão daqueles territórios por produtores e extrativistas. O assassínio a facadas de um líder do povo Wajãpi por praticantes de garimpo ilegal tende a ser o primeiro ato de uma tragédia escrita e dirigida pelo capitão do Planalto.
Enquanto transcorre o medonho espetáculo, o mundo civilizado discute as possíveis consequências do aquecimento do planeta e as medidas para mitigar os danos já em curso. São políticas difíceis de implementar porque, se embutem a perspectiva de benefícios futuros e difusos para toda a população, os seus custos oneram desde logo grupos poderosos.
Por isso, embora sejam de responsabilidade de cada nação, elas ganham vigor com acordos e convenções multilaterais, e o apoio de uma opinião pública mundial cada vez mais engajada na defesa do ecossistema. No Brasil, embora 85% da população tema o aquecimento global (conforme pesquisa Datafolha), a agenda retrógrada de Bolsonaro pode mobilizar uma coalizão política tão forte quanto sem sintonia com o mundo.
A morte de Emyra Wajãpi e o avanço do desmatamento na Amazônia foram noticiados com destaque por alguns dos mais influentes jornais estrangeiros, além de suscitar a manifestação vigorosa da alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos e ex-presidente chilena, Michele Bachelet. Pressões mais do que bem-vindas.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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