Provável rival nas eleições, governador de SP disputa eleitorado com o presidente
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Buscando viabilizar sua candidatura ao Planalto em 2022, o governador João Doria (PSDB-SP) ganhou auxílio inesperado de seu principal concorrente hoje, o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
O recente surto logorreico do presidente colocou Doria, que já vinha tentando se afastar de Bolsonaro, em posição um pouco privilegiada.
Quando aquilo que auxiliares do tucano chamaram de linha vermelha, o questionamento sobre o papel do Estado na morte do presidente do pai da Ordem dos Advogados do Brasil na ditadura, foi ultrapassado, Bolsonaro se tornou alvo para o governador.
O tucano teve o pai, o então deputado federal João Doria, cassado e exilado de 1964 a 1974 pelos militares. Doria chamou de inaceitável a insinuação de Bolsonaro de que o pai de Felipe Santa Cruz tenha sido morto por seus companheiros da esquerda.
Doria e o irmão Raul ficaram fora do país por dois anos, retornando para morar a mãe, que morreu três meses após a volta do marido ao país.
Além disso, o recente aceno à deputada Tabata Amaral (SP), ameaçada de expulsão do PDT pelo apoio à reforma da Previdência, mostra uma abertura do direitista Doria a flancos à esquerda.
Isso dito, a tarefa do tucano é difícil. Ele associou-se ao movimentoBolsoDoria, surgindo no segundo turno de 2018, quando Geraldo Alckmin (PSDB) já estava abatido na primeira rodada de votação.
Temendo fomentar um futuro adversário, Bolsonaro ouviu auxiliares e se negou a gravar apoio a Doria. Contudo, um acerto de bastidores fez o então presidenciável registrar críticas ao adversário do tucano, o então governador Márcio França (PSB).
Com efeito, ambos saíram eleitos. De lá para cá, Doria tem feito um movimento pendular: ora reafirma seu apoio à agenda econômica de Bolsonaro e o afaga em eventos públicos, ora tenta diferenciar-se do presidente.
Ambos disputam um mesmo eleitorado à centro-direita, que em 2018 comprou a mensagem antipolítica e radical de Bolsonaro assim como Doria —em São Paulo, claro.
A radicalização das duas últimas semanas, vistas por auxiliares do tucano como as mais tenebrosas em termos de retórica de Bolsonaro até aqui, ajudou Doria a modular seu discurso de membro da direita antipetista, mas não associado ideário do presidente.
Se isso será suficiente ao longo do tempo para apagar a imagem de Doria com a camiseta amarela com a logomarca BolsoDoria, é algo a ver.
O tucano até agora não se livrou, segundo pesquisas qualitativas internas do PSDB e de adversários, da pecha de que traiu Alckmin ao tentar lançar-se presidente quando estava na prefeitura.
Os mesmos levantamentos colocam a presença do deputado Aécio Neves (MG) no PSDB como peso no pé do tucano que governa São Paulo. Neste caso, a burocracia do partido, agora sob comando de Doria, ainda pisa em ovos. No outro, o governador está sozinho para se virar.
Há questões práticas em questão. A linha 6 do Metrô de São Paulo está no chão até agora porque o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reluta em aprovar empréstimo a ela.
Limitações semelhantes, ligadas à boa vontade federal, atingem obras como as do Rodoanel. Um ex-governador paulista ouvido pela Folhadiz que a tentação de independência do estado é grande, mas a realidade invariavelmente reduz os apetites na prática.
Doria tem o tempo como aliado e adversário. Uma eventual recuperação econômica mais rápida pode favorecer a Bolsonaro e, em menor medida, a ele. Seria talvez ideal, nas contas tucanas, porque diluiria o senso de bem-estar ao longo de 2020.
Já um atraso na melhoria, paradoxalmente, pode ajudar Bolsonaro caso ela venha mais perto do pleito de 2022. Aí o presidente terá manchetes e sensação real de que a economia está em bom curso.
Doria poderá fazer o mesmo alinhavando atração de investimentos a São Paulo, algo que tentará fazer com mais força na semana que vem com uma missão empresarial à China, mas o fato é que no Brasil o poder central sempre colhe os frutos primeiro.
Essa multiplicidade de fatores embaralha a disputa à frente. Os estrategistas do tucano ainda não têm um tática elaborada para outros eventuais concorrentes ao centro, notadamente o apresentador Luciano Huck (sem partido).
A ideia trabalhada até aqui é a de aproveitar ao máximo a máquina paulista, bem azeitada apesar do déficit de R$ 10 bilhões herdados em caixa na virada do ano, e diferenciar-se dentro do possível do hoje aliado Bolsonaro.
Antes de o rio desembocar em 2022, há uma curva acentuada no ano que vem. A eleição à prefeitura paulistana e de outras vitais no interior paulista tende a criar rearranjos. Doria tem vários candidatos na capital, mas uma hora terá de escolher um de fato.
Aliados suspeitam que será Joice Hasselmann, hoje deputada federal pelo PSL de Bolsonaro. O prefeito-candidato Bruno Covas (PSDB) tem a seu favor o sobrenome famoso do avô Mário e a juventude, mas mesmo políticos próximos dele identificam inapetência para a competição.
Por obrigação partidária, Doria já declarou voto em Covas —embora aliados digam que o prefeito pode jogar a toalha antes da campanha.
A questão colocada hoje é se Joice irá permanecer na linha bolsonarista independente ou migrará de vez para Doria.
A primeira opção é vista como mais complexa visando o futuro em 2022, dado que será imperativo ao governador anabolizar suas chances entre um eleitorado bastante à direita, ainda que mantendo a linha divisória com os arroubos presidenciais.
Logo, uma derrota de opções vistas como radicais cairia bem a Doria não só na capital, mas principalmente nos grandes centros do interior em que votaram maciçamente em Bolsonaro em 2018.
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