Entre a recessão e o quase nada: Editorial / O Estado de S. Paulo
O Brasil saberá no fim do mês se houve recessão, estagnação ou crescimento pífio nos primeiros seis meses do governo Bolsonaro, mas um ponto está fora de dúvida: foi um período muito ruim para a economia, com indústria emperrada, consumo travado e péssimas condições no mercado de emprego.
A hipótese de recessão foi reforçada pelo Banco Central (BC), com a nova divulgação, ontem, de seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br). O indicador subiu 0,30% de maio para junho, mas fechou o segundo trimestre com queda de 0,13% em relação ao primeiro. Retração econômica em dois trimestres consecutivos caracteriza a chamada recessão técnica. O mercado usa o IBC-Br, publicado mensalmente, como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). De janeiro a março, o PIB encolheu 0,2% em relação aos três meses finais de 2018. Falta conferir se essa nova prévia com sinal negativo será confirmada.
A resposta deverá surgir no dia 29, data prevista para divulgação do PIB pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelos dados setoriais conhecidos até agora, a indústria produziu entre abril e junho 0,7% menos que nos três meses anteriores, completando três trimestres consecutivos de queda. Se o balanço geral da economia refletir principalmente o fraquíssimo desempenho da indústria, a recessão na primeira metade do ano estará confirmada oficialmente.
Nesse caso, o País terá perdido completamente, ou quase, a modesta recuperação iniciada em 2017, depois de dois anos de retração econômica. Mas a distância entre a pior hipótese e a melhor é muito pequena, segundo as indicações acumuladas: será a diferença entre um pequeno recuo e um avanço quase desprezível.
Economistas do setor financeiro e das principais consultorias apontam uma provável melhora dos negócios a partir do terceiro trimestre, mas sem exibição de entusiasmo. O PIB crescerá 0,81% neste ano, segundo a mediana das projeções captadas na pesquisa Focus, consulta realizada semanalmente pelo BC. Para 2020, a mesma projeção indica um crescimento de 2,10%.
Esse número foi mantido nas últimas quatro semanas. Não se esperam, portanto, grandes melhoras a partir da liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Nem mesmo o esperado aumento de confiança, depois da aprovação da reforma da Previdência, parece afetar as projeções. Nesta altura, o aumento da produção industrial estimado para este ano está limitado a 0,19%. Quatro semanas antes a projeção, já em declínio, estava em 0,65%.
Se os fatos confirmarem essas expectativas, as condições de emprego deverão permanecer tenebrosas por um longo tempo. Se o impulso ao consumo for tão limitado quanto esses números sugerem, a criação de vagas, se ocorrer, continuará muito lenta no comércio interno e na indústria. A escassez de contratações terá como resultado a persistência de más condições de consumo de bens e de serviços e de fraco estímulo à produção. Não se nota, nas estimativas correntes, a esperança de quebra do ciclo de realimentação da crise.
Empresários, principalmente aqueles mais engajados no apoio ao presidente Bolsonaro, continuam declarando otimismo quanto à evolução da economia, a partir da reforma da Previdência e do encaminhamento da reforma tributária. Mas a prática da formação de estoques, das contratações e do investimento produtivo continua longe dessa retórica.
Mas nem tudo foi ruim no cenário recém-divulgado pelo BC. O IBC-Br de junho, com aumento de 0,30% sobre o nível de maio, trouxe algo positivo para quem se dispõe a olhar sempre o lado menos sombrio dos fatos. A variação foi superior à mediana das estimativas coletadas pelo Broadcast (0,10%), serviço de informações online da Agência Estado. Além disso, a queda trimestral, 0,13%, foi menor que a mediana das projeções (-0,40%). Também houve crescimento de 1,08% em 12 meses. Não foi completo o desabamento.
Mas nenhum dado – digamos – positivo justifica melhores expectativas para 2019 e 2020. Nem mesmo a declaração do presidente Bolsonaro contra radares móveis.
Pêndulo argentino: Editorial / Folha de S. Paulo
Oposição vence prévias e eleva incerteza; Bolsonaro não deveria intrometer-se
A eleição de Mauricio Macri na Argentina, quase quatro anos atrás, foi um marco da recente guinada à direita da América do Sul.
Enquanto o chavismo degenerava em ditadura e calamidade social na Venezuela, forças liberais e conservadoras chegaram ao poder durante o período no Peru, no Chile, no Paraguai e, claro, no Brasil.
Além de pioneira, a vitória de Macri se apresentava das mais promissoras. Empresário, com a experiência de prefeito de Buenos Aires, o novo presidente defendia em tom sereno uma agenda ambiciosa de ajustes e reformas que o faria celebrado por analistas, governantes e investidores mundo afora.
A recapitulação torna espantoso o resultado das prévias eleitorais realizadas pelo país vizinho no domingo (11). Nessa espécie de ensaio para o pleito de fato, marcado para outubro, a chapa governista saiu derrotada por ampla margem.
Na corrida pela Casa Rosada, a liderança, com mais de 47% dos votos, ficou com a candidatura de Alberto Fernández, que tem como vice ninguém menos que Cristina Kirchner —antecessora de Macri, processada por corrupção e patrocinadora de um populismo de esquerda que devastou o país.
A surpresa e os contrastes diminuem, porém, quando se observam os acontecimentos econômicos e políticos do ano passado para cá.
No início de maio de 2018 a Argentina se viu sacudida por uma disparada das cotações do dólar, que obrigaram o banco central a promover uma elevação vertiginosa das taxas de juros. Em questão de semanas, o país teve de recorrer ao velho socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Evidenciou-se, ali, o fracasso da estratégia gradualista do governo —que amarga inflação na casa dos 50% ao ano e deve entregar um Produto Interno Bruto (PIB) 3% inferior ao recebido em 2015.
Desde então, Macri distanciou-se do liberalismo, chegando a promover controles de preços. Não por acaso, escolheu para vice na campanha à reeleição Miguel Pichetto, um peronista histórico.
Cristina Kirchner, por sua vez, sabe das dificuldades de defender seu legado calamitoso no pleito. Optou, assim, por entregar a um moderado a cabeça de chapa.
Em tal configuração, mesmo uma vitória oposicionista, agora mais provável, não parece indicar uma volta ao intervencionismo de tons autoritários do passado recente. De todo modo, crescem as incertezas na região, o que se refletiu nos mercados nesta segunda (12).
Mais do que nunca, conviria que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deixasse de se manifestar sobre a disputa no país vizinho. Seu apoio ostensivo à Macri já era intromissão inapropriada; agora, pode significar riscos concretos para interesses brasileiros, como o acordo entre Mercosul e União Europeia.
Entretanto, como logo se viu, não se deve contar com essa sensatez.
A agenda do crescimento é diversificada: Editorial / O Globo
Perspectiva de aprovação da Previdência abre espaço para medidas complementares
A aprovação por boa margem devotos do texto básico da reformada Previdência na Câmara ajudou a consolidar prognósticos positivos para as votações no Senado. Reforçou, também, a agenda de outras mudanças estruturais — como a revisão do anacrônico e prejudicial sistema tributário — e de aperfeiçoamentos diversos para desburocratizar e reduzir o custo da operação das empresas, afim de permitir a geração de empregos e de renda.
Não que esteja tudo resolvido na Previdência. Faltam as duas votações, há a questão vital da emenda constitucional para reincluir na reforma os estados e municípios, a “PEC paralela”, e existe o risco de dificuldades políticas na tramitação criadas pelo presidente Bolsonaro e sua incontinência verbal, amplificada nas redes sociais.
O Congresso aprovara reforma é essencial para eliminara perspectiva de insolvência do Estado, cujo efeito mais perverso é manter travados investimentos.
Mas é imperioso que reformas continuem a ser feitas, na esteira da modernização da Previdência e aproveitando a melhoria de humor dos agentes econômicos.
É da natureza do sistema previdenciário que mudanças realizadas gerem frutos a médio e longo prazos. Em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, alertou que o déficit da Previdência continuará a subir. No ano que vem, aumentará em R$ 40 bilhões. As contas públicas têm como meta, neste ano, ainda um déficit primário (sem juros) de R$ 139 bilhões. Superávit, apenas a partir de 2022, se tudo ocorrer como planejado. Então, medidas de austeridade precisarão continuar a ser tomadas. Não conceder aumentos ao funcionalismo, por exemplo.
Vencida ada Previdência, a reforma da vez passa a ser a tributária, crucial para consertar o emaranhado de impostos que esmagam as pessoas físicas e pesam sobre as empresas também pelo lado da burocracia. Não se deve esperar redução da carga tributária, pois ela se manterá elevada enquanto as despesas continuarem exorbitantes.
Cada vez mais ganham importância iniciativas do governo de incentivo aos negócios, de efeito em prazos mais curtos, para ligar a ignição do crescimento. A queda dos juros ajuda na transição da estagnação para o crescimento. O conjunto desta agenda de foco mais fechado apressará a retomada.
Ações como o núcleo da MP da Liberdade Econômica, depurada dos “jabutis” contrabandeados para o texto; privatizações, programas desburocratizantes em geral etc. A pauta é diversificada, também com a inclusão de assuntos macroeconômicos: desindexação e desvinculação do Orçamento.
A pesquisa semanal Focus, do Banco Central, indicou ontem mais uma queda na projeção feita por analistas para o crescimento deste ano: de 0,82% para 0,81%. Esta tendência negativa só será quebrada em prazo mais curto com ataques em várias frentes da economia.
Prévias indicam que Cristina Kirchner deve voltar ao poder: Editorial / Valor Econômico
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, foi esmagado pela dupla de peronistas Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner, nas eleições primárias de domingo e suas chances de reeleição são agora perto de nulas. As pesquisas erraram ao apontar uma diferença de 5 pontos para a chapa Frente de Todos diante de Macri (Juntos pela Mudança), mas o que se viu nas urnas foi uma ampla derrota. Fernández teve 47,6% dos votos e Macri, 32%. Roberto Lavagna, candidato da "terceira via" (Consenso Federal), conseguiu 8,2%. Para voltar ao poder, a chapa que tem Cristina como vice-presidente agora não precisa ganhar votos e pode até perder alguns, para liquidar a eleição de outubro no primeiro turno. Para isso, precisará de 45% dos votos.
Só uma mudança radical do ambiente político e econômico daria a Macri a oportunidade de virar o jogo. Na economia, a situação só tende a piorar após a reação semelhante à de "catástrofe iminente" dos investidores ontem, com quedas olímpicas das ações (até 34% no Merval), do peso (que em alguns momentos ultrapassou 60 por dólar, com desvalorização de mais de 30%, e fechou o dia em 23%, e forte alta do juro de curto prazo - de 63,7% na sexta-feira para 74%, ontem. O Banco Central vendeu US$ 100 milhões para conter a disparada do dólar. O risco país aumentou 5,1% (para 904, pelo EMBI+ do JP Morgan), o custo de proteção contra défault dobrou e se aproximou de 2 mil pontos e calcula-se pelas cotações dos títulos argentinos no mercado futuro que há 75% de chances de novo calote nos próximos 5 anos.
A magnitude da reviravolta nas expectativas e as sombras que o passado estadista e intervencionista do grupo ao redor de Cristina Kirchner lança sobre o futuro dificilmente deixará de pesar no cenário até as eleições de outubro. Isso significa que a inflação (em queda, a 55,7% nos 12 meses findos em junho) pode ganhar novo fôlego e dificilmente encostará na previsão do FMI e dos consultores argentinos para o ano, de 40%. A recessão ainda dará o tom das atividades econômicas este ano e a perspectiva de crescimento acima de 2% em 2020 começa a se desvanecer.
A economia derrotou Macri e reduziu a quase nada suas chances de reeleição. O comparecimento às prévias foi alto (75% ou 24,7 milhões) e a dupla Fernández colocou sobre Macri vantagem de 4,8 milhões de votos, 15,5 pontos percentuais. Para ir a segundo turno, a coalizão de Macri precisará contar com o voto de todos os demais candidatos, da extrema esquerda à extrema direita, atrair grande parte dos 759 mil votos em branco e dos 300 mil nulos e torcer para que a chapa rival não atinja os 45% suficientes para liquidar a disputa no primeiro turno.
Macri perdeu as prévias em 2015 para os peronistas por oito pontos percentuais, reduziu a diferença a menos de 4 pontos no primeiro turno e se elegeu presidente no segundo turno com três pontos de vantagem. A diferença agora é de quase o dobro - e Macri tem agora o peso do desgaste do incumbente. Os analistas políticos dizem que no ambiente polarizado argentino, vantagens de até 5 pontos percentuais são reversíveis. A insatisfação generalizada com o manejo econômico do governo, que uniu recessão, desemprego e megarreajustes de tarifas públicas e mais, e não menos, inflação
É certo que os problemas econômicos argentinos foram magnificados pela política desastrosa dos Kirchner, que chegaram a manipular os índices de inflação, e que se apoiaram em contenção artificial do câmbio, subsídios amplos às tarifas e deterioração acentuada dos déficits gêmeos (o público e em conta corrente). Mas um mandato foi dado a Macri para consertar as coisas. Ele cometeu uma série de erros que o levaram ao FMI, mal visto no país. Cristina foi hábil ao retirar sua figura divisiva do primeiro plano ao concorrer à vice, e bem-sucedida em forçar a comparação da situação em que os argentinos se encontram hoje com a que tinham em seus dois governos.
Há incerteza sobre o quanto da política de Cristina será esposada por Alberto Fernández, se vencerem as eleições. Com certeza, muita coisa. Ontem o consultor econômico de Alberto, Matías Kulfas, deixou claro que a chapa quer rever o acordo com o Fundo e atribuiu a intranquilidade dos investidores à política fracassada de Macri.
No plano diplomático, os peronistas são rivais declarados do presidente Jair Bolsonaro. Alberto visitou recentemente Lula em Curitiba e Bolsonaro ataca o kirchnerismo sempre que pode. A tensão entre os dois desaguará no Mercosul.
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