- Valor Econômico
STF julgará admissão de candidatos avulsos
A votação da reforma da Previdência jogou luz sobre a crise existencial dos partidos políticos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 33 legendas que disputam uma fatia do fundo partidário de R$ 810 milhões. Desse total, 30 deles elegeram representantes para a Câmara, mas apenas 21 alcançaram a cláusula de desempenho, e com isso, têm acesso ao Fundo Partidário e ao Fundo Eleitoral.
Num modelo aparentemente sobrecarregado, em que a ideologia vigente alterna direta, esquerda, extremos e o "Centrão", e os eleitores tendem a votar em pessoas, não em partidos, os versos de Belchior induzem à pergunta: os partidos estão para a democracia como a roupa que não nos serve mais?
"Os partidos envelheceram, precisam se oxigenar", conclui o deputado Luiz Flávio Gomes (SP), parlamentar de primeiro mandato que no primeiro turno votou a favor da reforma da Previdência, contrariando a orientação do PSB. No segundo turno, ele mudou o voto, mas não por pressão do partido, e sim por discordar da isenção sobre as exportações que rendeu R$ 84 bilhões ao agronegócio.
No segundo turno, 36 deputados contrariaram suas legendas votando favoravelmente às novas regras da aposentadoria, indiferentes ao fechamento de questão. No PSB, 11 infiéis respondem a processos no conselho de ética, que podem culminar na expulsão da sigla.
Incomodado com o que considera "radicalismo" partidário, Luiz Flávio diz que se for expulso, quer ficar independente. O deputado Alexandre Frota (SP), ameaçado de expulsão do PSL pela língua afiada contra o presidente Jair Bolsonaro, também cogita não se filiar a outra legenda se a ameaça se consumar. O senador Reguffe (DF) está há três anos e meio sem partido desde que rompeu com o PDT quando a sigla apoiou o governo Dilma Rousseff.
Luiz Flávio tornou-se um entusiasmado defensor das candidaturas avulsas, um modelo que segundo ele, existe em todo o mundo ocidental, menos em sete países africanos e três sul-americanos, inclusive Brasil, Argentina e Uruguai. "Os partidos envelheceram, têm que se oxigenar", argumenta.
O pessebista lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) julga um recurso sobre a possibilidade das candidaturas avulsas. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso que no voto sobre a repercussão geral da matéria, deu indicativos de que pode votar favoravelmente ao modelo, provocando uma revolução na trajetória eleitoral brasileira.
"Todas as pesquisas e estatísticas demonstram o momento de baixa credibilidade dos partidos políticos e a dificuldade representativa da classe política, de uma maneira geral", decretou Barroso em outubro de 2017, quando o plenário da Corte, à unanimidade, reconheceu a repercussão geral da matéria.
A manifestação sobre o descolamento da sociedade da classe política e dos partidos ocorreu há quase dois anos, poderia ter sido ontem que a atualidade da crítica se sustentaria.
Na ocasião, Barroso salientou que nas democracias, "nenhum tema é tabu". Portanto, se o debate sobre a reforma política segue engessado no Legislativo, o STF estaria legitimado para buscar soluções que aprimorem o modelo institucional.
O ministro lembrou que na República Velha, as candidaturas avulsas eram admitidas. No Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas governou sem partidos, até editar um decreto em 1945 proibindo os avulsos. Naquele ano, ele criou o PSD e o PTB, e a partir de sua ampla popularidade, formou grandes bancadas.
Para o ministro, a proibição das candidaturas avulsas e a exigência de partidos políticos "foram instrumentos utilizados por Vargas e os seus seguidores para manter o controle da política brasileira". O Código Eleitoral de 1965 manteve a proibição dos candidatos sem partido, enquanto a Constituição de 1988 obrigou as filiações partidárias.
O processo no STF foi motivado por um recurso do advogado Rodrigo Mezzomo, que em 2016 pleiteou a candidatura avulsa para a Prefeitura do Rio de Janeiro. O argumento do postulante é de que a norma constitucional deve ser interpretada segundo a Convenção de Direitos Humanos de San José da Costa Rica, que estabelece como direito dos cidadãos "votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores".
No entanto, a jurisprudência vigente no STF é de que, se uma norma constitucional entra em conflito com um dispositivo de uma convenção internacional sobre direitos humanos, a regra internacional deve prevalecer sobre a lei brasileira.
Em parecer no processo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, observa que apesar da relevância dos partidos políticos para o processo democrático, é sintomático que os legisladores constituintes não os tenham incluído nas cláusulas pétreas. "A Constituição só declarou a salvo de mudanças o "voto direto, secreto, universal e periódico", observa Dodge.
Barroso enumerou alguns países ocidentais que admitem as candidaturas avulsas: Áustria, Chile, Finlândia, França, Irlanda, Islândia, Polônia, Portugal.
A lista elaborada em 2017 cresceu com a adoção do modelo no México nas eleições presidenciais de 2018, que consagraram Andrés Manuel Lopez Obrador, do partido Morena. Um de seus adversários foi Jaime Rodríguez Calderon, o primeiro governador independente do México eleito em 2015. Elegeu-se governador de Nuevo León numa conjuntura de aversão dos eleitores aos partidos políticos.
Jair Bolsonaro é um exemplo eloquente de que apesar dos 33 inscritos no TSE, os eleitores são personalistas. Nos 28 anos em que exerceu mandato parlamentar, Bolsonaro passou por sete partidos: PDC, PPR, PTB, PFL, PP, PSC e PSL. Seu partido atual é um ex-nanico cuja bancada cresceu de nove deputados em 2018 para 56. Recebeu no ano passado cerca de R$ 5 milhões do fundo partidário. Em seis meses neste ano, R$ 40 milhões já irrigaram os cofres do partido.
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