- O Estado de S.Paulo
Sua proposta é de promover ampla revisão do funcionamento e das políticas do grupo
O Brasil assumiu em julho a presidência do Mercosul com a proposta de uma ampla revisão do funcionamento e das políticas do grupo sub-regional, depois de 28 anos de sua criação pelo Tratado de Assunção.
Os países do Mercosul equivalem à quinta economia do mundo. Desde sua fundação, as trocas comerciais do agrupamento multiplicaram-se quase dez vezes: de US$ 4,5 bilhões, em 1991 para US$ 44,9 bilhões em 2018.
Durante sua presidência o Brasil – segundo se anunciou – buscará intensificar a negociação de acordos comerciais externos, reduzir a tarifa externa comum (TEC) e dar seguimento aos esforços de racionalização do funcionamento do bloco. A presidência brasileira, que se estenderá até o fim deste semestre, se dá em momento de rara convergência entre os quatro membros fundadores. Todos agora buscam transformar o Mercosul em instrumento para reforçar a competitividade e aumentar a integração de suas economias com os mercados regional e global por meio de políticas liberalizantes e de facilitação do intercâmbio intrabloco. Essa convergência vai ser testada nas eleições presidenciais de outubro na Argentina
A conclusão das negociações com a União Europeia pode ser o fator galvanizador que ajudará os países-membros a implementar mudanças longamente aguardadas. O fim do isolamento e a ampliação dos entendimentos para a expansão da rede de acordos comerciais forçarão os países-membros a criar condições para o aumento da competitividade e da produtividade, com vista ao aproveitamento das preferências tarifárias, que o acesso ao mercado europeu permitirá, com o aumento das exportações.
As principais decisões tomadas pelos presidentes focalizaram a área econômica e a modernização das instituições. Serão ultimados estudos para permitir que a partir do ano que vem haja uma efetiva redução da tarifa externa comum média (hoje em 14%) para níveis que sejam similares à média global.
As negociações para a conclusão dos acordos de livre-comércio com Coreia do Sul, Canadá e Cingapura serão aceleradas. Depois do encontro dos presidentes foi finalizada a negociação com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Passou a ser efetivamente examinada a incorporação dos setores açucareiro e automotivo à união aduaneira e estimulada a ampliação da convergência regulatória entre os países-membros. O fundo para financiamento de projetos de infraestrutura (Focem) e sua regulamentação deverão ser reformados para torná-lo mais eficiente.
Os órgãos institucionais do Mercosul vão ser enxugados para maior eficiência e menos custos e burocracia para os países-membros. Foi aprovada cláusula de vigência bilateral dos acordos negociados com o grupo a fim de permitir que esses acordos entrem em vigor imediatamente para os países cujos Congressos os ratificarem, não sendo necessário aguardar a aprovação de todos os Legislativos.
A presidência brasileira até o fim do ano poderia ensejar uma efetiva liderança no grupo caso o Brasil decidisse convocar conferência diplomática para examinar o funcionamento das instituições e das políticas seguidas nos últimos 28 anos. Prevista no Protocolo de Ouro Preto, que criou a união aduaneira, em 1995, essa conferência seria convocada pela primeira vez e teria forte efeito sobre o desenvolvimento futuro do grupo regional.
No tocante às negociações de acordos comerciais, o encontro presidencial dispôs sobre o interesse do Mercosul em ampliar sua inserção externa com novos entendimentos. Nesse contexto, seria importante examinar a possibilidade de, na presidência brasileira, ampliar o relacionamento com a Ásia e propor a adesão do Mercosul ao CCTPP, acordo com o Japão, sete outros países asiáticos e México, Chile e Peru. O TPP, em fase de ratificação pelos países-membros, começa a receber sinais de interesse de adesão da Colômbia, da Coreia do Sul e do Reino Unido. Os principais produtos exportados pelo Brasil para o mercado asiático – soja e minério de ferro – ganhariam competitividade, equiparando-se às preferências recebidas pela Austrália e pela Nova Zelândia.
A crise política e econômica na Venezuela foi tratada em declaração presidencial moderada, sem críticas contundentes ao regime de Nicolás Maduro. Os presidentes manifestaram sua preocupação com a grave crise que atravessa a Venezuela, que afeta seriamente a situação humanitária e de direitos humanos, tal como assinalado no relatório da alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Os presidentes reconheceram a severa deterioração das condições de vida do povo venezuelano e a necessidade de atender à crise migratória, humanitária e social que esse país vive. Concordaram também que a comunidade internacional deve continuar contribuindo, por todos os meios pacíficos ao seu alcance, e decidiram continuar a promover o restabelecimento pleno da democracia e do Estado de Direito no país, incluindo a celebração de eleições presidenciais livres, justas e transparentes no menor tempo possível. Enquanto isso, os Estados Unidos abriram negociações diretas com o governo Maduro para resolver a transição para a democracia por meio de eleições presidenciais e com uma saída para os atuais dirigentes venezuelanos...
Os presidentes dos países-membros reafirmaram seu pleno compromisso com os valores democráticos, a retomada de sua vocação original para o regionalismo aberto e a adoção de um enfoque mais pragmático, que produza resultados concretos para os cidadãos. Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial argentina, apesar da difícil situação econômica, espera-se que a política econômica e comercial do novo governo preserve o Mercosul e o acordo com a União Europeia. Embora tenha havido uma escalada retórica confrontacionista entre Brasil e Argentina, os interesses permanentes dos dois países deverão prevalecer sobre percepções ideológicas que ameacem a integridade do Mercosul.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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