terça-feira, 27 de agosto de 2019

Andrea Jubé: "Eu vim para somar"

- Valor Econômico

Ministro revela-se habilidoso, mas falta autonomia

A paixão pelas Harley-Davidson, quem diria, virou um elo entre governo e oposição, envolvendo o ministro Luiz Eduardo Ramos e o PT. Dois dias depois da troca de farpas com o presidente Jair Bolsonaro motivada pela inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista, na Bahia, o ministro recebeu em seu gabinete no quarto andar do palácio o governador Rui Costa, do PT, para uma conversa institucional.

Rui já conhecia o caminho do gabinete: esteve lá na curta gestão do então titular da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. No encontro com Ramos, os ânimos estavam acirrados porque Rui não compareceu à cerimônia. A justificativa foi que os aliados de Bolsonaro agiram para transformá-la em ato político, limitando os convidados do governador. Por sua vez, o presidente acusou o governador de dispensar a Polícia Militar, fragilizando a segurança do local.

O café com Ramos foi profícuo porque cinco dias depois, o ministro reabriu as portas do gabinete para outro petista: o ex-ministro da Previdência Social Carlos Gabas, atual secretário-executivo do Consórcio Nordeste, colegiado criado pelos governadores para atrair investimentos e gerar empregos na região. Rui Costa preside o colegiado. Depois de negar ter chamado os governadores nordestinos de "paraíba", Bolsonaro acusou-os de criar o bloco para dividir o país.

Foi nessa conjuntura que os dois devotos da marca centenária se reuniram para discutir projetos de interesse da região e do país. Gabas se notabilizou por ter levado na garupa de sua moto a então presidente Dilma Rousseff para um passeio inusitado. Ramos é companheiro há décadas das aventuras sobre duas rodas de Bolsonaro.

Desdenhado no começo pelos políticos mais experientes por causa da formação militar, Ramos pode surpreender no papel de articulador. Em quase dois meses na função, recebeu mais de cem deputados e pelo menos 22 senadores. Participou de eventos com a Frente Parlamentar do Agronegócio e com a Frente Parlamentar Evangélica. Vai a reuniões reservadas nas residências oficiais dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

O seu papel cresce num cenário de turbulência por causa da crise internacional envolvendo a Amazônia e da escalada da impopularidade do presidente, num momento em que o governo tem que concluir a votação da reforma da Previdência no Senado e aprovar o nome de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos.

A indicação de Eduardo ganhou antipatia social. Segundo a pesquisa divulgada pelo instituto MDA em parceria com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), 72,7% dos entrevistados consideram inadequada a escolha do filho do presidente para o cargo. O levantamento também mostrou que a reprovação ao governo aumentou 20 pontos em relação a fevereiro: agora 39,5% o consideram ruim ou péssimo.

Ramos abriu o diálogo com o Congresso para tratar de cargos, emendas e disputas regionais entre os aliados. Ele propala aos quatro cantos o desejo de se relacionar com todos. Relembra sempre que oportuno a boa relação com parlamentares da oposição, fazendo menção a Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Ivan Valente (PSOL-SP), que conheceu ainda como assessor parlamentar do Exército nos anos do governo Lula.

"Eu vim para somar", entoa o ministro quando esbarra com parlamentares do PT, PSOL, PCdoB, PSB e PDT. Se duvidam, soletra o sobrenome ao contrário. "Ramos" é a operação matemática de trás pra frente.

Quando tomou posse no começo de julho, líderes do Centrão diziam que o general não tinha perfil político. Agora, um deputado influente admite que Ramos é habilidoso, mas não tem autonomia para celebrar acordos. "Ele faria um estrago se Bolsonaro deixasse", arrisca o congressista.

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Quando o então vice-presidente Michel Temer abdicou do cargo de articulador político do governo Dilma Rousseff, aliados do emedebista alegaram que os cristais se romperam. Por isso, a decisão era irreversível. A metáfora era de que é possível colar cacos de vidro, mas não de cristais, porque estes se despedaçam em frações minúsculas irrecuperáveis.

A comparação aplica-se hoje à relação entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o presidente Bolsonaro. Os cristais esfacelaram-se.

O estopim foi o pedido de Moro ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, no fim de julho, para reconsiderar a decisão que restringiu o compartilhamento de relatórios do antigo COAF, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), com os órgãos de investigação. Toffoli havia acolhido justamente um pedido do advogado de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Segundo uma fonte com trânsito no Planalto, Bolsonaro considera imperdoável qualquer ataque aos filhos. O desdobramento serão as sucessivas bordoadas do presidente no ministro. No fim de semana, em resposta a um internauta que lhe pediu para cuidar bem de Moro, Bolsonaro lembrou que o ministro não esteve ao seu lado na campanha, ao contrário de Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni.

No começo de agosto, Bolsonaro lembrou que Moro perdeu a caneta, ou seja, poder de decisão. "O ministro Moro vem da Justiça, mas não tem poder, não julga mais ninguém".

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A crise deflagrada pelas queimadas na floresta amazônica reabilitou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o assessor especial do GSI Eduardo Villas Bôas como conselheiros influentes do presidente, após uma fase de desgaste na relação. Eles discordam, por exemplo, da verborragia presidencial, que às vezes se volta contra o próprio Bolsonaro. Ambos foram comandantes militares da Amazônia e têm autoridade para tratar do tema. A avaliação do núcleo militar no governo sobre a crise é que a defesa da soberania nacional é prioritária. O reforço internacional é bem-vindo, mas o Brasil não admitirá tratamento de colônia.

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