quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O que pensa a mídia – Editoriais

É preciso firme defesa da democracia – Editorial | O Globo

Instituições e a sociedade devem dedicar especial atenção a desvios autoritários do governo Bolsonaro

Tem um peso um vereador da Câmara do Rio, a “Gaiola de Ouro”, agredir a democracia e defender que um regime autoritário seria a melhor forma de se ultrapassarem os gargalos em que o país se encontra. Mas se ele for Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, o peso é outro, e a gravidade também.

Inaceitável, mas não se devia esperar algo diferente. É questão de berço, pois o pai, Jair, construiu na Câmara dos Deputados longo currículo de autoria de agressões verbais à democracia. Eduardo, irmão de Carlos, e também parlamentar — deputado federal por São Paulo —, já discorreu sobre como fechar o Supremo: com um soldado e um cabo. O presidente da República minimizou o fato, creditando-o à juventude do filho, e o tempo foi em frente.

Agora, vendo-se o conjunto da obra de oratória autoritária da família, não há mais dúvida de que se trata de um pendor ideológico, que precisa ser rebatido por meio de palavras e atos. Reconforta que as instituições democráticas e republicanas brasileiras, reconstituídas há 31 anos por meio da Carta de 1988, tenham sido testadas com sucesso, durante uma geração, e de diversas formas. Impeachments — Collor e Dilma —, bem como por devaneios autoritários de algumas frações do PT, com ramificações pela corrupção.

Um sintoma da dificuldade de projetos deste tipo prosperarem são reações como as do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, um general há pouco tempo na reserva, e dos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Mourão, que se encontra no Planalto devido à cirurgia de Bolsonaro, retrucou sem rebuscamentos: “temos de negociar com a rapaziada do outro lado ali da praça (dos Três Poderes, o Congresso), é assim que funciona”. Maia alertou para os efeitos deletérios de declarações como essas sobre a economia, cuja conta “é paga pelo povo mais pobre”; Alcolumbre registrou o seu “desprezo” ao que dissera Carlos Bolsonaro.

Estes quase nove meses de governo Bolsonaro aconselham a necessidade de uma especial atenção de instituições e organismos da sociedade a desvios de poder que precisam ser coibidos e corrigidos.

O uso de um recurso à disposição do governo federal, a medida provisória, para retaliar a imprensa profissional, de que o presidente não gosta, é gritante manipulação ilegal de instrumentos de Estado contra quem faz críticas ao governo. E o faz por dever de ofício, respaldada pela Constituição.

O presidente sancionou em abril lei sobre a publicação de balanços, mas voltou atrás para editar MP a fim de prejudicar jornais. A medida provisória acabou com qualquer obrigatoriedade de empresas de capital aberto divulgarem balanços e relatórios em veículos de grande circulação. A intenção foi explicitada pelo próprio Bolsonaro. Há pouco, também por meio de MP, os atingidos foram jornais menores, do interior, nos quais estados e prefeituras não precisarão mais divulgar convocações de concorrência etc.

Um ato autoritário típico. O perigo é que todo o discurso de intolerância que este grupo joga nas redes sociais começa a se materializar em decisões de governo com o mesmo viés. Os recursos de poder do Estado brasileiro não podem estar a serviço de qualquer projeto que contrarie a Constituição.

Instituições têm de ficar alerta contra ataques à democracia – Editorial | Valor Econômico

Era previsível, por seu passado e por sua campanha eleitoral, que o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos colocariam em teste as instituições democráticas. Os métodos que estão sendo usados para isso também não surpreendem. Há incentivos indiretos e diretos para que as leis que desagradam a ideologia do presidente sejam solapadas, mesmo sem que o Congresso exerça um papel cúmplice - entre outros motivos, porque não há base de apoio sólida ao governismo no Legislativo, nem o Planalto parece julgar necessário que haja. Um deles, de alto poder destrutivo, é insinuar que o poder de repressão do Estado, que joga papel decisivo no cumprimento das leis e no respeito às instituições, não será mais usado em determinados casos, estritamente por conveniência dos governantes. O exemplo dissolvente deste comportamento manifesta-se nas atitudes de autoridades que jogam no lado do conservadorismo e se escudaram no prestígio eleitoral de Bolsonaro para chegar ao poder.

A censura absolutamente ilegal do prefeito Marcelo Crivella a uma publicação que mostrava cenas de afeto homossexual comunga diretamente com a pauta de costumes bolsonarista, que tem respaldo de algumas igrejas evangélicas. A abulia com que o prefeito encara a administração da cidade, que tem sido ruinosa, só é quebrada por um ativismo comportamental autoritário que fere as leis. O prefeito não tinha o direito de apreender publicações desse e de qualquer outro gênero, tarefa que compete à Justiça. Crivella jogava para a plateia, seu eleitorado, em uma investida para manter-se mais quatro anos à frente de uma cidade pela qual nada fez.

Com menos espalhafato, mas não com mais razão, o governador paulista João Doria mandou suspender a distribuição de apostilas para o 8º ano do ensino fundamental por considerar seu conteúdo uma apologia à "ideologia de gênero". Em liminar, a Justiça mandou suspender o recolhimento.

Eleito na onda bolsonarista, o governador do Rio, Wilson Witzel, já candidato ao Planalto, faz da apologia à violência policial seu programa de governo, até agora o único ponto pelo qual chama a atenção - não se sabe na verdade o que pretende fazer em seu mandato. O governador já sobrevoou Angra dos Reis em helicóptero da polícia durante operação na qual foram baleados alvos suspeitos, com seu entusiasmado endosso.

Esse entusiasmo se irmana com os sinais que emanam do Planalto, de onde Bolsonaro promete indultar policiais "injustiçados", como os envolvidos no massacre do Carandiru e na chacina de Eldorado dos Carajás, por exemplo. O presidente queixou-se da direção da Receita no porto de Itaguaí, região dominada por milícias, também sob investigação da Polícia Federal. Bolsonaro também provocou o afastamento do superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, sob cuja jurisdição se averigua suposta ligação do senador Flavio Bolsonaro com milicianos.

O presidente Bolsonaro defende que os cidadãos se armem para se defender de bandidos, uma função precípua do Estado. Foi um dos primeiros atos legislativos de seu governo. Seus filhos gostam de armas. O deputado Eduardo Bolsonaro posou para fotos no hospital ao lado do pai com uma pistola na cintura. Provável indicado para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Eduardo reproduziu postagens chamando o presidente Emmanuel Macron de "idiota" e não aparenta ter qualquer ideia do que seja diplomacia.

O presidente aos poucos moveu o terreno segundo seus desígnios nos principais órgãos de investigação e controle. É seu direito escolher o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, mas este aparenta ter grande identidade, perigosa para a função, com a pauta de costumes de Bolsonaro. Só o tempo dirá se agirá com independência. O Coaf, após detectar transações suspeitas de Fabrício Queiroz e Flavio Bolsonaro, foi deslocado para o Banco Central. O presidente quer trocar o diretor-geral da PF, para "dar uma arejada".

Como deputado, Bolsonaro sempre defendeu torturadores e a ditadura, período no qual não existia eleição para presidente. Em uma democracia, foi eleito para o cargo, mas não parece ter mudado muito de ideias. Seu filho Carlos, impaciente, vê problemas nesse regime. "Por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos", escreveu em rede social. Se os Bolsonaro veem limites na democracia, é cada vez mais importante - diante de anseios autoritários -, que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso mostrem a eles que o limite é a democracia.

Boa surpresa no consumo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O vigor do comércio em julho, uma boa surpresa no meio de tantas notícias negativas, pode ser mais um sinal de reação do organismo econômico. As lojas do varejo venderam naquele mês 1% mais que em junho, puxadas principalmente pelos supermercados, e 4,3% mais que um ano antes. Os novos números trazem fortes indícios de intensificação do consumo. Em 12 meses o volume vendido foi 1,6% maior que o do período anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para explicar esse desempenho, a gerente da pesquisa mensal, Isabella Nunes, mencionou a evolução gradual do mercado de trabalho, com aumento das pessoas ocupadas, e a melhora das condições de crédito. O financiamento é especialmente importante para as vendas de veículos, motos e partes e também de material de construção. Acrescentando-se ao conjunto esses dois segmentos, chega-se ao varejo ampliado, com aumento de 0,7% no mês, 7,6% na comparação com os dados de um ano antes e avanço de 4,1% em 12 meses.

A referência ao mercado de trabalho pode surpreender, inicialmente, porque 12,6 milhões de pessoas, 11,8% da força de trabalho, permaneciam desempregadas no trimestre encerrado em julho, também de acordo com o IBGE. Mas o mesmo balanço das condições de emprego apontou o ingresso de cerca de 1,2 milhão de pessoas na população ocupada, naquele trimestre, e foi este o detalhe mencionado pela gerente da pesquisa mensal do comércio varejista.

Com as vendas de julho, o varejo aproximou-se do volume de negócios de junho de 2015 e continuou 5,3% abaixo do recorde alcançado em outubro de 2014. A recuperação foi suficiente, portanto, apenas para reconduzir o comércio varejista ao nível registrado no meio do primeiro ano da recessão.

Convém levar em conta esses detalhes ao avaliar os sinais de melhora da economia brasileira. Também é preciso lembrar o mau desempenho da indústria neste ano. Em julho, a produção industrial foi 0,3% menor que a de junho e 2,5% inferior à de um ano antes. Em 12 meses houve um recuo de 1,3%. Talvez os números de agosto mostrem algum efeito da reação do varejo, mas faltam dados para qualquer aposta razoavelmente segura em relação a esse ponto.

Mesmo no governo há pouco otimismo quanto às possibilidades de reação industrial, neste ano, como indicam as últimas avaliações publicadas pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia. Embora projetando alguma recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de setembro, a secretaria estima para a indústria, no terceiro trimestre, uma produção 0,4% inferior à do segundo.

Na próxima semana o Banco Central (BC) deverá anunciar uma nova decisão sobre a taxa básica de juros. No mercado financeiro, os analistas mais comedidos dão como certo um corte de 0,25 ponto porcentual. Muitos apostam numa redução de 0,5 ponto. Hoje a Selic, a taxa básica, está em 6%.

Se os juros voltarem a cair, poderá haver algum estímulo adicional ao consumo. Os primeiros saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) também poderão adicionar algum ânimo aos consumidores. A permissão de saques do Fundo e do PIS-Pasep é o primeiro lance da equipe econômica a favor de uma reanimação dos negócios. A combinação de juros mais baixos e de saques poderá produzir algum efeito. Mas as projeções oficiais, assim como as do mercado, continuam apontando crescimento muito modesto neste ano e no próximo. Segundo essas projeções, o PIB crescerá menos de 1% em 2019 e pouco mais de 2% em 2020.

Restam como dados positivos, até agora, o aumento da população ocupada e a reação do consumo apontada pelo balanço de julho. Os poucos sinais positivos indicam uma reação meramente orgânica, porque a equipe econômica pouco fez de concreto para injetar alguma energia na produção. Agora se fala em medidas para mover o programa Minha Casa Minha Vida, importante fonte de empregos e de difusão de demanda para vários segmentos industriais. Alguma rapidez na execução desse plano será muito bem-vinda.

Faces da violência – Editorial | Folha de S. Paulo

Assassinatos caem e letalidade policial sobe em 2018; é cedo para ver tendência

Pela primeira vez desde 2015, o número de assassinatos no Brasil recuou em 2018, caindo para 57,3 mil ocorrências. No ano anterior, haviam sido 64 mil —a queda, portanto, foi de expressivos 10%.

Com isso, a taxa nacional de mortes violentas caiu para 27,5 por 100 mil habitantes (eram 30,8/100 mil em 2017). Ainda muito alta, à frente de países como Colômbia e México, mas distante dos mais de 60/100 mil da Venezuela e de El Salvador.

O dado auspicioso figura no 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O compêndio reúne informações dos estados sobre mortes violentas intencionais (homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em intervenções policiais).

Entretanto o anuário registra uma péssima notícia: segue em alta a letalidade policial. Compilaram-se no ano passado 6.220 casos de pessoas mortas pela polícia; um ano antes, haviam sido 5.179. Um incremento, pois, de 20%.

Especialistas apontam que variações em estatísticas criminais raramente decorrem de um único fator, seja quando há aumento, seja quando há diminuição das taxas. Contudo, na percepção de leigos —e não raro no discurso político a favor da truculência policial— por vezes se faz relação causal entre a letalidade por agentes do Estado e a queda na violência.

Tal associação não se sustenta, como se pode ver no detalhamento das cifras pelos estados. Há casos como o de São Paulo, onde quase 20% das mortes violentas ocorrem em intervenções policiais e a taxa de assassinatos é a mais baixa do país, 9,5/100 mil.

Considere-se, no entanto, o contraexemplo do Rio de Janeiro. Não obstante a polícia fluminense também matar muito (22,8% das mortes violentas), o estado exibe taxa de assassinatos (39,1/100 mil) muito acima da média nacional.

São variados os possíveis fatores a influenciar a redução geral da criminalidade letal. Eles vão da crescente coordenação entre forças policiais, em trabalhos de inteligência e prevenção, à demografia, com o encolhimento paulatino da coorte que abriga o maior número de vítimas e autores de assassinatos, isto é, homens jovens.

Em 2018, ademais, houve 46 operações com a Força Nacional de Segurança Pública, contra 33 um ano antes. Embora não resolva as causas estruturais da violência, o uso da FNSP em situações emergenciais se mostra mais recomendável que a mobilização do Exército, sem vocação para o policiamento.

É cedo, de todo modo, para dizer que se trata de uma tendência favorável. Está longe de descabida a hipótese de que houve pouco além de uma acomodação após números aberrantes de anos anteriores.

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