- Valor Econômico
Fim da indexação abre espaço de R$ 35 bi no Orçamento
Para manter o teto de gastos nos próximos anos, como parece ser a intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo terá que cortar ou reduzir fortemente o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias no curto prazo. Se isso não for feito e o teto for mantido, o Estado brasileiro será paralisado em 2021 ou 2022 ou, como os economistas preferem, haverá um "shutdown", com a interrupção dos serviços essenciais prestados à população.
Como fazer uma forte redução das despesas obrigatórias no curto prazo para abrir espaço para os investimentos e o custeio da máquina pública, as chamadas despesas discricionárias? Em texto divulgado na terça-feira - um box do Boletim MacroFiscal de setembro -, o Ministério da Economia sugere reduzir a indexação das despesas orçamentárias e o crescimento vegetativo do gasto. Essas são, segundo o documento, as duas saídas possíveis para o Orçamento brasileiro.
A paralisação ou "shutdown" do Estado brasileiro vai acontecer em futuro próximo, se o teto for mantido, porque as despesas obrigatórias estão crescendo de forma autônoma, ou seja, independente da vontade do governo ou das políticas e ações por ele executadas. Com o aumento da despesa obrigatória, o espaço orçamentário para a despesa discricionária é cada vez menor, inviabilizando as atividades da administração federal.
No box do Boletim MacroFiscal, intitulado "Despesas obrigatórias crescem de forma autônoma", o Ministério da Economia estimou que 81% do aumento do gasto da União em 2020 resulta da indexação ou do crescimento vegetativo - ou seja, do aumento de R$ 76,7 bilhões da despesa total projetado para o próximo ano, R$ 62,1 bilhões decorrem desses dois fatores.
O crescimento vegetativo é o aumento do número de pessoas que fazem jus a algum benefício concedido pelo Estado. O crescimento vegetativo da despesa do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), mais conhecido como INSS, no próximo ano é de 4,9%, de acordo com a mensagem presidencial que acompanha a proposta orçamentária. Ou seja, a despesa com benefícios previdenciários crescerá 4,2% apenas por conta do aumento do número de pessoas que fazem jus a algum tipo de benefício.
Para reduzir o crescimento vegetativo, é necessário adotar critérios mais rigorosos de acesso aos benefícios, da forma como está sendo feito, por exemplo, com a reforma da Previdência Social. O documento do Ministério da Economia diz que o que foi adotado para a Previdência "poderá ser estendido para outros componentes da despesa obrigatória".
Na área assistencial, o Congresso Nacional rejeitou a proposta para tornar mais rigoroso o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que foi incluída pelo governo na reforma da Previdência. Restaria, portanto, fazer alterações nas regras de acesso ao seguro-desemprego.
Falar em desindexação pode soar anódino para muitas pessoas, pois a palavra não expressa com exatidão o que significa na prática. Atualmente, os benefícios previdenciários e assistenciais são corrigidos anualmente por índice de preço ou pelo salário mínimo. O objetivo da prática é preservar o valor dos benefícios contra os efeitos corrosivos da inflação, que reduzem o poder aquisitivo das pessoas.
As aposentadorias e pensões com valor superior ao piso salarial são reajustadas pelo INPC, calculado pelo IBGE. Os benefícios iguais ao salário mínimo são corrigidos pelo mesmo percentual aplicado ao piso, que, até este ano, está definido em lei.
Desindexar significa, portanto, que não haverá mais correção automática e anual dos benefícios previdenciários e assistenciais contra os efeitos da inflação. Ao explicitar a questão, ou seja, dar significado prático à palavra, certamente a reação das pessoas passa a ser diferente e elas percebem facilmente a dificuldade política da mudança.
O reajuste pelo INPC das aposentadorias e pensões acima do piso salarial pagas pelo RGPS é garantido pela lei 8.213/91. Para acabar com a correção, bastaria um projeto de lei ou uma medida provisória. Para desindexar o piso dos benefícios previdenciários do salário mínimo, no entanto, o governo teria que apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC). O inciso quarto do artigo 7º da Constituição estabelece que o salário mínimo terá reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Há uma questão jurídica a ser considerada. Mesmo que o governo apresente uma PEC suspendendo, por um período de tempo, a indexação dos benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo e que o Congresso Nacional aprove a proposta, o assunto certamente terminará no Supremo Tribunal Federal (STF). Muitos juristas argumentam que algumas regras do artigo 7º integram as cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser modificadas.
O documento divulgado pelo Ministério da Economia, e que foi elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE), estima que somente a indexação, ou seja, os reajustes vinculados à inflação e ao salário mínimo, representa 46% do aumento do gasto primário (exclui a despesa com juros da dívida) projetado para 2020 ou cerca de R$ 35 bilhões. Se o governo conseguir aprovar a desindexação das despesas previdenciárias da inflação e do salário mínimo, seria possível, portanto, abrir um espaço fiscal de R$ 35 bilhões no Orçamento do próximo ano para as despesas discricionárias.
A desindexação e um maior rigor em regras de acesso aos benefícios fazem parte de uma agenda que está sendo apresentada ao presidente Jair Bolsonaro por sua área econômica. A agenda, que é impopular e politicamente difícil de ser aprovada, prevê ainda a desvinculação das despesas, inclusive das áreas da saúde e educação, e a desobrigação de o Executivo realizar o gasto programado.
O debate sobre essas questões será aberto, provavelmente, depois da votação da reforma da Previdência pelo Senado. As alternativas apresentadas até agora ao que o Ministério da Economia está propondo resultam, inevitavelmente, na elevação da carga tributária. A sociedade terá que decidir o que prefere.
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