Projeto foi marcado por debates acalorados sobre cotas para mulheres e índios em convenção constituinte
- O Globo e agências internacionais
SANTIAGO — O presidente do Chile, Sebastián Piñera, promulgou nesta segunda-feira a lei que convoca um plebiscito para uma reforma constitucional para o próximo dia 26 de abril. A formalização da legislação, discutida em debates acalorados no Senado e na Câmara, ocorre após um final de semana marcado pelas imagens de um manifestante que foi atropelado e imprensado por dois blindados da polícia e no mesmo dia da divulgação de um relatório que aponta "graves e muito numerosas"violações dos direitos humanos na repressão às manifestações.
Segundo o presidente, o plebiscito deve servir para “deixar para trás a violência e as divisões” e recuperar a “boa política”. Em um evento com a presença de ministros, autoridades e líderes políticos da situação e da oposição, Piñera disse que é necessário “recuperar o valor do diálogo, da unidade, do acordo, e aprender a pensar e trabalhar juntos para construir este Chile melhor que queremos”. Os pontos mais debatidos da reforma constitucional, no entanto, que dizem respeito a cotas para mulheres e índios, continuam sob discussão no Senado.
— [A Carta] não é uma varinha mágica que resolve todos os problemas. O que ela faz é nos dar um marco institucional adequado para avançar em direção a um país com maior capacidade de atender e satisfazer as necessidades dos cidadãos — disse Piñera. — Como presidente, estou seguro de que vamos saber transformar esta crise em um novo Chile mais fraterno, prolífico, justo e livre, do qual todos nós nos sintamos parte.
Piñera disse ainda que é "de enorme importância condenar de forma clara, categórica e permanente todo tipo de violência e ameaças, porque isto só envenena a alma de nosso país". O presidente, cuja aprovação está na casa de 11%, disse ainda que é importante "honrar nosso juramento, de respeitar sempre nossa Constituição, nossa democracia e nosso Estado de Direito".
Uma Carta que substitua a atual, herança da ditadura liderada por Augusto Pinochet (1973-1990), é considerada uma via institucional para canalizar as insatisfações que agitam as ruas chilenas desde 18 de outubro. Desde então, a resistência de setores da direita, sobretudo da herdeira do pinochetismo União Democrática Independente (UDI), a aceitar mudanças é tida como uma das principais causas para a dificuldade do governo e da classe política de dar respostas às mobilizações.
O plebiscito de abril perguntará à população se é necessária uma nova Constituição, e por qual mecanismo ela deve ser elaborada: por uma “convenção constituinte”, formada por 155 deputados eleitos com mandato exclusivo, ou então por uma convenção constitucional mista de 172 membros, entre representantes do atual Congresso e novos deputados constituintes. O mecanismo escolhido terá um período de nove meses de funcionamento, podendo ser prorrogado por outros três. Ao fim, o texto será submetido a um outro plebiscito ratificatório.
Cotas e paridade de gênero
Uma das discussões mais acaloradas do projeto dizia respeito a projetos que estabeleciam o voto obrigatório, a paridade de gênero, cotas para povos indígenas e que facilitam a participação de candidatos independentes no processo de formulação de uma nova Constituição. Primeiramente rejeitadas na Câmara e no Senado, uma grande mobilização de parlamentares conseguiu reverter este resultado na Câmara. As medidas, no entanto, ainda precisam ser aprovadas pelo Senado.
Outro projeto pendente de aprovação no Senado estabelece que as listas eleitorais devem ser “encabeçadas por uma candidata e serão sucessivamente ordenadas alternadamente com as indicações de homens", além de um mecanismo de correção pós-eleitoral, que fará com que, nos distritos que elegerem um número par de candidatos, o número de homens e mulheres seja idêntico. Onde o número de candidatos for ímpar, a diferença entre os gêneros não poderá ser maior do que um.
Após a aprovação das medidas, a UDI havia chegado a afirmar que sua participação na coalizão Chile Vamos, que governa o país, estava congelada. A presidente da UDI, Jacqueline van Rysselberghe — que é amiga do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ciceroneou em visita ao Chile em dezembro de 2018 —, no entanto, compareceu à cerimônia de promulgação da lei.
A campanha para o plebiscito acontecerá durante um mês, logo antes da votação, e incluirá 30 minutos diários de propaganda na televisão. Caso vença o plebiscito, em até cinco dias após a divulgação do resultado, Piñera deverá convocar a eleição para o órgão constituinte.
Segundo pesquisa da Associação Chilena de Municípios (AChM) divulgada na terça-feira, 92,4% dos chilenos são a favor de uma nova Constituição.
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