terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Joel Pinheiro da Fonseca* - Como lidar com o tiozão reacionário no Natal

- Folha de S. Paulo

Muitos dos jovens que hoje julgam horrorizados os pais e tios acabarão por ficar iguaizinhos a eles

Não tenho nada contra quem defende o governo, seja qual for o motivo, com argumentos e alguma preocupação com os fatos. Tenho até amigos que são.

Mas é difícil aguentar quem apenas repete chavões do senso comum (“é tudo corrupto, tem que prender”) e vocifera amargurado contra “a esquerda”, “os comunistas”, “os vagabundos”, Paulo Freire ou outro bicho-papão. Com o Natal vindo aí, a ideia de conviver por horas a fio com um parente assim não anima ninguém.

Por sorte, na minha família a conversa é sempre alegre e civilizada, mesmo quando divergências políticas vêm à tona. Pelo que diversas pessoas têm me contado, contudo, há muitas famílias ruindo sob o peso do radicalismo burro de algum parente.

É triste constatar que, não raro, esse parente insuportável é uma pessoa mais velha. O pai, a mãe, o tio, o avô; pessoas inteligentes, não raro com ensino superior, que, de 2018 para cá, se transformaram em verdadeiros robôs repetidores de slogans pró-Bolsonaro e compartilhadores de fake news. A idade nem sempre traz sabedoria...

Não são apenas impressões pessoais. Um estudo feito no início do ano passado na revista Science Advances (“Less than you think: Prevalence and predictors of fake news dissemination on Facebook”) concluiu que, na campanha eleitoral dos EUA em 2016, pessoas com mais de 65 anos reproduziram quase sete vezes mais fake news do que o grupo mais jovem. Também não é segredo para ninguém que os protestos domingueiros a favor do governo atraem majoritariamente pessoas mais velhas.

A versão otimista dessa história é que as pessoas hoje idosas cresceram sem a internet, estão (em média) menos acostumadas à dinâmica da informação online e são, por isso, mais suscetíveis a acreditar em fake news, mensagens emotivas que chegam no WhatsApp e a se polarizar.

Outra, mais preocupante, é que se trata de um efeito geral do envelhecimento: conforme as pessoas envelhecem, elas vão ficando (em média!) mais apegadas às suas velhas crenças e preferências, mais relutantes em mudar de opinião e em se engajar racionalmente em qualquer debate.

Também é um período da vida em que a pessoa tende a ficar mais recolhida, ter mais tempo livre sem fazer nada. Cabeça vazia, oficina do Bolsonaro. Assim, muitos dos jovens e adultos que hoje julgam horrorizados seus pais e tios acabarão por ficar iguaizinhos a eles. Os millennials serão os tiozões sem noção de amanhã.

Não está claro ainda como vencer a polarização, que cresce no mundo inteiro (minha hipótese é que as redes sociais são um catalisador). Estudos que tentaram aproximar pessoas com visões políticas diferentes chegaram à conclusão desanimadora de que isso aumenta, em vez de diminuir, o radicalismo de cada lado.

Por outro lado, interagir com pessoas de ideologias diferentes em contextos que não salientem os motivos da diferença promovem maior harmonia e confiança entre as partes. Um exemplo são torcidas de futebol, que unem sob a mesma bandeira pessoas de diferentes idades, raças e ideologias. Outro, os encontros familiares, se é que conseguem ficar longe da política.

“Política, futebol e religião não se discute”. A máxima da sabedoria popular pode ser um pouco alienante. Mas para baixar a tensão dos encontros familiares, pode ser a melhor pedida. Por que não discutir as uvas passas no arroz? Ou falar de coisas menos polêmicas como música, cinema, televisão. Já viu o especial de Natal do Porta dos Fundos?

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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