A insatisfação com Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo
O primeiro ano de governo não foi positivo para a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo do ano verificou-se uma crescente insatisfação com sua gestão, revela a mais recente pesquisa CNI/Ibope. Em abril, 27% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo. Em junho, 32%. Em setembro, 34%. Agora, em dezembro, o porcentual de insatisfeitos chegou ao seu maior índice – 38% dos brasileiros avaliaram negativamente o governo Bolsonaro.
Tal insatisfação é corroborada pelo decréscimo contínuo dos que aprovam a gestão de Jair Bolsonaro. Eram 35% em abril, 32% em junho, 31% em setembro e 29% em dezembro.
Quando questionados se aprovam ou desaprovam a maneira de o presidente Bolsonaro governar o País, 53% disseram que a desaprovam. No levantamento anterior, esse porcentual foi de 50%. Ao mesmo tempo, diminuiu o porcentual dos que aprovam o jeito de Jair Bolsonaro governar. Antes, eram 44%. Agora, são 41%.
A pesquisa CNI/Ibope foi realizada entre os dias 5 e 8 de dezembro. Ou seja, a população foi ouvida antes de virem a público os recentes desdobramentos da investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Bolsonaro. É provável, portanto, que os porcentuais de aprovação do governo sejam hoje um pouco piores do que os medidos no início do mês pelo Ibope.
De toda forma, ao observar as variações ao longo do ano, fica evidente que a insatisfação com o governo não foi causada por um evento específico. Há uma clara tendência de queda gradativa na avaliação positiva e de aumento da insatisfação da população. A conclusão é cristalina. No primeiro ano de mandato, o governo de Jair Bolsonaro não atendeu às expectativas e aos anseios da maioria da população.
Tal fato contraria a promessa feita pelo presidente Jair Bolsonaro de que não governaria em favor de grupos minoritários, mas na defesa dos interesses e sentimentos da maioria da população. Sua retórica ao longo da campanha, e também depois da posse, foi a de que o povo brasileiro não estaria satisfeito com o aparelhamento da máquina pública realizado por setores da esquerda e de que o seu papel como presidente da República seria precisamente devolver o Estado aos brasileiros.
As pesquisas de opinião revelam com indubitável clareza que, se o presidente Jair Bolsonaro se dispõe a entrar em sintonia com a maioria da população brasileira, deve ele mudar o quanto antes suas falas e suas ações. O que o presidente Jair Bolsonaro fez ao longo do primeiro ano – eis o dado incontroverso – agradou apenas a uma minoria da população. Diante de críticas e questionamentos, não cabe ao presidente dizer que governa em prol da maioria. Não foi o que se viu ao longo desses 12 meses.
Em algumas ocasiões, a defesa dos interesses nacionais deverá levar um presidente da República a tomar decisões desagradáveis para parte considerável da população. Especialmente em situações de crise, há necessidade de remédios amargos, e o exercício responsável do poder está precisamente em o governante não se guiar exclusivamente pelo critério da popularidade. Mas o crescimento da insatisfação com o presidente Jair Bolsonaro, observado ao longo de todo o ano, não tem relação com decisões difíceis tomadas por força de necessidades prementes do País. A erosão da aprovação do presidente Jair Bolsonaro está vinculada a uma condução sectária do governo, fustigando adversários, ampliando divisões e agindo sem o decoro e a responsabilidade que o cargo exigem. Além disso, a população ainda está à espera de uma retomada da economia e do emprego que lhe dê confiança quanto aos tempos futuros.
Faltam ainda três anos de mandato. Há tempo suficiente para, se assim quiser, o presidente Jair Bolsonaro emendar-se, atuando como o cargo exige e, não é demais repetir, como a imensa maioria da população espera. O exercício do cargo de presidente da República exige especial cuidado. Ainda que entusiasmem hordas virtuais, extravagâncias e despautérios não resolvem os problemas que precisam ser enfrentados. O ano de 2020 pode – e deve – ser diferente.
Conchavo descabido – Editorial | Folha de S. Paulo
Plano de reconduzir os atuais chefes da Câmara e do Senado deve ser abortado
Ao declarar que se encontra “à disposição” para assumir novo mandato de dois anos à frente do Senado, o presidente da Casa, David Alcolumbre (DEM-AP), deixou clara sua disposição de mudar as regras do jogo em benefício próprio.
A Constituição veta a reeleição para tal posto numa mesma legislatura. O mesmo vale para a Câmara dos Deputados, cujo presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se declara inclinado, publicamente ao menos, a apoiar emenda constitucional para alterar a norma.
Pode-se discutir, democraticamente, se o critério inscrito na Carta é o mais adequado ou se caberia modificá-lo. Não se ampara em bons argumentos, porém, a orquestração de movimento destinado a favorecer os atuais ocupantes dos cargos. Nessa hipótese, haverá não mais que um óbvio e casuístico conchavo de bastidores.
Ao que se observa, quem mais poderia se beneficiar de uma eventual reviravolta é Maia, que assumiu um mandato-tampão de seis meses, em 2017, após o afastamento do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), e elegeu-se duas vezes para o cargo —a primeira na legislatura passada, a segunda, na atual.
As circunstâncias políticas criadas pela vitória do presidente Jair Bolsonaro ofereceram ao presidente da Câmara condições inéditas para desempenhar papel mais relevante na cena política nacional.
Ao renunciar à costura de uma coalizão majoritária estável no Congresso, nos moldes —um tanto questionáveis, diga-se— de seus antecessores, Bolsonaro deixou aberto um espaço político que Maia diligentemente ocupou.
Apelidado de primeiro-ministro informal, assumiu uma agenda de reformas que contempla tanto propostas do Executivo quanto outras que julga valiosas para o país e, decerto, para suas ambições. O ambiente polarizado da sociedade deu-lhe a chance de emergir como líder parlamentar equilibrado e referência das forças ao centro.
A estatura e o prestígio de Maia não se comparam com os de Alcolumbre, mas é inegável que o comandante do Senado se revelou mais efetivo no desempenho de suas funções do que se poderia, no primeiro momento, presumir.
Cada um com características e objetivos próprios, ambos podem em tese se irmanar na tentadora conveniência de estender a permanência no cargo. Uma atuação coordenada nesse sentido, na Câmara e no Senado, vai se desenhando.
Trata-se de movimentação que merece rejeição. Num momento em que se faz particularmente importante demonstrar o respeito às normas do jogo, uma investida para mudar a Constituição em proveito dos chefes do Legislativo só contribuiria para aumentar a sensação de insegurança institucional.
Refém de Lula, PT não vislumbra o próprio futuro – Editorial | O Globo
Partido praticamente fica à margem do debate de questões relevantes nos últimos quatro anos
O Partido dos Trabalhadores vai completar 40 anos e, outra vez, se vê numa encruzilhada. Se na fundação, em fevereiro de 1980, dependia da liderança carismática do sindicalista Lula, agora é uma organização política refém de um líder duas vezes condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, réu em várias outras ações penais, e internamente criticado por não abrir espaço à renovação.
O PT rachou quando Dilma contrariou Lula e se impôs candidata à reeleição em 2014. A peculiar arrogância da então presidente reeleita levou-a a um gradual isolamento interno, evidenciado dois anos mais tarde durante o processo de impeachment.
Simultaneamente, avançavam as investigações na Operação Lava-Jato. O partido se concentrou numa campanha permanente para tentar desqualificar todo e qualquer fato comprovado sobre as obscuras relações de Lula com fornecedores do setor público.
Se deixou aprisionar nessa tática, arrastou satélites, PCdoB e PSOL, e caminhou para a radicalização na etapa da prisão de Lula após a condenação em segunda instância no início de 2018.
A opção pela política binária, a polarização, foi consolidada na campanha presidencial do ano passado na tentativa de desqualificação do pleito, sob a premissa de que uma eleição sem Lula era fraude. Revelou-se uma armadilha, construída num autoengano consciente, porque o líder petista já estava inelegível pela letra da Lei da Ficha Limpa.
Quando a miragem da candidatura foi desconstruída, o PT já havia se tornado refém de um prisioneiro, que conduziu o partido na eleição, de dentro de uma cela da Polícia Federal em Curitiba, com inquestionável habilidade e êxito relativo nas urnas — perdeu a disputa presidencial, em segundo turno, com um candidato imposto por ele e dividindo a oposição ao candidato Jair Bolsonaro, que se elegeu.
Feridas abertas não cicatrizaram depois da derrota. Focado na defesa política dos problemas judiciais de Lula, o PT praticamente ficou à margem do debate de questões relevantes para o país nos últimos quatro anos. Não conseguiu formular alternativas aos projetos apresentados pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro para reformas da Previdência, da legislação trabalhista ou do Marco Regulatório do Saneamento, por exemplo.
Lula deixou a prisão e frequenta assembleias petistas com a mesma proposta de antes, a política binária: “Vamos sempre polarizar”. O partido perdeu 41% de sua bancada parlamentar desde 2003 e se vê ainda mais isolado, no Congresso e fora dele. Vai completar quatro décadas de existência com dificuldades até para compor listas de candidatos à eleição municipal de outubro do ano que vem. A persistência no papel de refém do líder condenado impede o PT de vislumbrar o próprio futuro.
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