“O que resta agora para a esquerda? Em primeiro lugar, é preciso ultrapassar o PT e superar o binarismo instituído na competição política e eleitoral. O raciocínio binário carrega consigo uma estupidez intrínseca, com suas oposições estanques e uma visão de futuro canhestra e inflexível. Depois do desastre eleitoral, o PT e a esquerda que gira no entorno dele atualizaram esse binarismo com o diagnóstico de que sua derrota corresponde a uma ‘avanço do conservadorismo’. Trata-se de um desdobramento mecânico da fábula do ‘golpe’ e do “Fora Temer”.
Obviamente que há uma ascensão do conservadorismo na opinião pública. Isto é visível no plano cultural – especialmente manifestações retóricas de um anticomunismo que já não tem mais lugar --, mas ainda não atingiu com vigor a dimensão do político. Aliás, expressando-se por meio de lideranças de extrema direita, nessa dimensão, ele é francamente minoritário. É observável, contudo, que o conservadorismo ganha desenvoltura em confrontação com o binarismo petista, um modo de pensar apodrecido que não serve para nada.
De nada serve também advogar por uma ‘nova esquerda’ buscando repor um passado que atribua a ela estratégias e o espírito de ação inspirado em Che Guevara ou no ativismo de maio de 1968. O mundo mudou substantivamente e isso já ficou para trás há muito tempo.
Em paralelo a essa confusão há quem construa a utopia de uma ‘esquerda movimentista’ na qual a sociedade seja o ‘grande ator’, em substituição e de costas para os partidos políticos: os paradigmas aqui seriam a Grécia insurgente do Syriza e a Espanha pré-Podemos: uma perspectiva de grandes ilusões e parcos resultados.
O mimetismo uruguaio é outro modelo reivindicado. Por ele se pensa a refundação do `PT por meio de uma Frente Ampla de partidos e movimentos sociais. Para seus propugnadores, o erro do PT foi ‘afastar-se’ das suas bases sociais. Esta operação visa passar ao largo de uma autocrítica rigorosa e de inúmeras questões decisivas, tanto teóricas quanto políticas, deixando se dominar inteiramente pelo cálculo eleitoral. Parece ser uma ‘solução’ instrumental e retórica, nada mais do que isso. Sem mencionar a extraordinária dificuldade operacional para colocar de pé um tipo de projeto como este em um contexto de desmoralização de boa parte daqueles que são convidados a participar deste movimento.
Todas estas proposições estão fadadas ao fracasso. Elas não enfrentam seriamente o problema e não empreendem verdadeiramente uma ultrapassagem do PT. O tempo exige uma ‘outra esquerda’, plural, democrática e reformista que possa superar as visões finalistas e ingressar no século 21 com corpo e alma novos.”
*Cf. “O labirinto da esquerda brasileira”. In As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José A. Segatto, M. Lahuerta e R. Santos. Brasília: Verberna Editora/FAP, dez. 2018.
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