quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Míriam Leitão - Radiografia da crise do Rio

- O Globo

Crivella deu aumento a servidores quando já atrasava pagamentos e recusou ajuda do Bird porque não quis fazer o ajuste

- A cidade do Rio está vivendo uma situação dramática, em grande parte pelos erros do prefeito Marcelo Crivella e por sua incapacidade de administrar a cidade. O Rio recusou ajuda do Banco Mundial porque teria que fazer ajustes e, ao contrário do que se imagina, não teve queda de receita em relação ao ano passado. A arrecadação de IPTU e ISS cresceu 7,4%, mas com a natural concentração da receita do IPTU no começo do ano. O prefeito não fez as reservas que deveria ter feito para o segundo semestre e ainda concedeu aumento ao funcionalismo em janeiro mesmo quando já estava atrasando o pagamento das organizações sociais.

Esse é o retrato imediato. Há outras complexidades quando se olha o quadro de vários anos do município do Rio. Eu conversei com duas ex-secretárias de Fazenda do município, Duda La Roque e Sol Garson, e com técnicos federais que acompanham as finanças dos municípios para entender o colapso da cidade. Crivella recebeu uma situação difícil, mas poderia ter evitado essa crise, se tivesse se planejado.

As duas economistas admitem que o custo de saúde do Rio é muito grande. O ex-prefeito Eduardo Paes municipalizou dois hospitais estaduais em 2016, Albert Schweitzer em Realengo e o Rocha Faria, em Campo Grande, e construiu 36 novas clínicas da família. Tudo isso virou gasto.

— A taxa de investimento da Prefeitura cresceu, nós fomos o ente nacional que mais investiu, ainda bem. Mas parte do investimento se transforma em custeio no ano seguinte. Tem que fazer projeção de longo prazo para saber se é sustentável ou não. Uma UPA é investimento, mas depois vira custeio anual — lembra Duda La Roque.

Ela foi secretária de Fazenda de Paes, período em que o Rio alcançou grau de investimento. Conta que a cidade negociou um empréstimo de R$ 1 bilhão com o Banco Mundial, com isso pré-pagou uma parte da dívida com o Tesouro e reduziu 25% da dívida. Eram outros tempos. Havia, como ela diz, “uma janela de oportunidade”.

Sol Garson, que foi secretária de Fazenda na gestão Luiz Paulo Conde, acrescenta que o Rio gasta muito mais com Saúde do que está estabelecido em lei.

— As cidades têm que aplicar em Saúde no mínimo 15% das receitas próprias de impostos e das transferências. Prefeituras boas vão até 18%. O Rio foi a 25%. Fez isso cobrindo a ausência do estado, só que é difícil manter porque há outras despesas permanentes num município. E o Rio é grande também na educação. Do total da educação do fundamental, praticamente 98% são do município. Quando o gestor entra, ele tem que ver se a receita se sustenta antes de decidir. O problema é que o prefeito não olhou para trás, nem para frente — diz a economista.

Para complicar, o país tem tido dificuldade de sair da crise e ela é mais intensa no Rio. Mas os piores anos de recessão foram os de 2015 e 2016, período final da gestão anterior. Crivella assumiu em 2017. A receita de ISS estava em queda, mas ele poderia ter feito o mesmo que Paes fez ao assumir a Prefeitura. Ele ajustou para depois investir. A inércia de Crivella é apontada como a grande responsável pelo agravamento da crise.

— Eduardo Paes no primeiro mandato fez um enorme esforço para entender a situação e fazer o ajuste. No segundo mandato ele aumentou despesas e sua atuação já não teve a mesma qualidade. O Crivella pegou uma situação embicando para baixo e não teve capacidade de contornar a situação — diz Duda la Roque.

Na avaliação de técnicos federais que estão analisando a crise do Rio, os erros de Crivella foram gasto excessivo e falta de gestão.

— Basicamente, ele gastou mais do que deveria. Não poderia ter dado os reajustes que deu e pôr por terra o equilíbrio que a Prefeitura tinha. O Rio tem uma folha de pessoal pesada, algo como R$ 800 milhões, e ele ainda deu um reajuste de 7,84% em janeiro quando já estava atrasado com as OS. A cidade deve ao governo federal, e está pagando em dia. Mas deu calote no BNDES. No começo da administração, Crivella pediu um empréstimo ao Banco Mundial para reestruturar a dívida com o BNDES. O BIRD concordou, mas exigiu ajuste e a Prefeitura não aceitou. Como a nota de crédito do município é C, não pode ter empréstimos com garantia da União — explica um técnico.

O que se explica em Brasília é que não há previsão legal de ajuda financeira ao município.

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