quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Roberto Dias – A sangue quente

- Folha de S. Paulo

Fatores que a explicam estão tudo, menos claros

Um fato desafia especialistas: a diminuição acentuada do número de mortes violentas no Brasil. Iniciada no ano passado, a queda se tornou mais abrupta em 2019 --dados preliminares apontam redução na casa dos 20%.

É claramente uma boa notícia num país ainda muito violento. Mas os fatores que a explicam estão tudo, menos claros. Como também não fica nada evidente que relação existe entre a queda da violência e o discurso de endurecimento da segurança que ganhou corpo nos últimos anos.

É inegável que a visão vitoriosa nas urnas em 2018 encontra nenhuma simpatia nos institutos que se dedicam a estudar segurança pública. Pudera, a ideia de "mirar na cabecinha" (concebida por Wilson Witzel) e a reação inicial de João Doria às mortes em Paraisópolis contrapõem-se ao bom senso, além de desprovidas de resquícios de empatia.

Por outro lado, nota-se exígua disposição dos pesquisadores em investigar, de maneira mais, digamos, amoral, a hipótese de que esse discurso pode ter desempenhado um papel na redução das criminalidade.

Quem tentou refutar frontalmente tal possibilidade produziu argumentos nada convincentes. As explicações mais comuns circum-navegam o falatório político. São: 1) não há causa única; 2) o conflito entre facções arrefeceu; 3) o envelhecimento da população diminuiu a parcela de jovens, os mais atingidos pela violência; 4) a criminalidade bateu no teto em 2017, de modo que seria normal recuar.

As duas primeiras não esclarecem muito --a segunda é algo tautológica até. A terceira não explica a inversão abrupta, e a quarta vem desacompanhada do cálculo que estabeleceu o suposto teto.

O quadro é ainda mais complexo porque quem atua mais amplamente na segurança são os estados, com diferentes governos e distintos catalisadores de violência. À falta de explicações mais firmes para a queda geral, Sergio Moro surfa sozinho na leitura que lhe é mais favorável.

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