domingo, 3 de março de 2019

Bernardo Mello Franco: Tem laranja no samba

O Globo

Queiroz não explicou por que repassou R$ 24 mil para a primeira-dama. Ele também deixou de citar os depósitos em série na conta de Flávio Bolsonaro

Laranja é a cor do carnaval. A fruta se tornou onipresente nos blocos de rua. Enfeita fantasias, adereços e abadás. Na semana passada, o site do GLOBO chegou a publicar uma fotogaleria com os modelitos mais cítricos. Os foliões só pensam naquilo: o laranjal do PSL.

“Toma, toma vitamina C, pra não ficar doente e falar com o MP”, diz uma das marchinhas inspiradas no escândalo. O homenageado parece ter entendido. Na quinta-feira, ele apresentou suas primeiras explicações ao Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção.

Fabrício Queiroz já havia faltado a dois depoimentos marcados pela Promotoria. Ele continua sem dar as caras, mas resolveu se defender por escrito. Justificou suas movimentações suspeitas, que acenderam o alerta do Coaf, como atividades de “gerenciamento financeiro”.

O ex-motorista de Flávio Bolsonaro apresentou uma versão curiosa. Afirmou que “gerenciava” salários de outros assessores do então deputado estadual, hoje senador, e repassava o dinheiro a colaboradores informais. A prática é proibida pela Assembleia Legislativa, mas ele disse que “nunca entendeu que estivesse agindo ilicitamente”.

“Com a remuneração de apenas um assessor parlamentar, o peticionante conseguia designar outros assessores para exercer a mesma função, expandindo, dessa forma, a atuação parlamentar do deputado”, escreveu. Se a multiplicação da mão de obra for verdadeira, é um caso a ser estudado nas faculdades de administração.

Queiroz não deu os nomes dos supostos beneficiários do dinheiro. Nem explicou por que transferiu R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, madrasta de Flávio e primeira-dama do país. Ele também se esqueceu de mencionar os depósitos em série na conta do senador. Em um só mês, o Zero Um recebeu 48 envelopes recheados, somando R$ 96 mil.

Em tom imodesto, o motorista disse aos promotores que é “um líder comunitário respeitado e com grande empatia popular”. Ele também informou que “é de origem conservadora e insiste em administrar o essencial das finanças do seu núcleo familiar, recebendo em sua conta os rendimentos do trabalho de sua mulher e de seus filhos”. Faltou explicar por que uma de suas herdeiras, Nathalia, trabalhava como personal trainer enquanto deveria dar expediente no gabinete.

Para explicar as movimentações milionárias, Queiroz se apresentou como um empreendedor de sucesso. Sem mostrar provas, ele disse que exercia “atividades informais de segurança particular, compra e venda de veículos, eletrônicos, vestuário, intermediação de imóveis e todo e qualquer produto que pudesse lhe garantir uma renda extra”. A palavra “milícia” não aparece no documento.

No carnaval de 1950, uma marchinha alegrou os bailes com o refrão “É dos carecas que elas gostam mais”. A letra não falava em laranjas, mas citava um homônimo do motorista milionário: “Pra que cabelo? / Pra que, seu Queiroz? / Se agora a coisa está pra nós, nós, nós...”

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