- O Estado de S.Paulo
Atitudes do presidente não coadunam com a de um líder que precisa negociar e ampliar apoio
Desde que deixou o hospital após a terceira cirurgia em decorrência do atentado que sofreu, Jair Bolsonaro fritou e demitiu um ministro da cozinha do Planalto, mitigou a reforma da Previdência antes de enviá-la ao Congresso e admitiu fazê-lo novamente em conversa com jornalistas, enquadrou o “superministro” da Justiça e, no intervalo, usou uma solenidade pública para tecer loas a um ditador pedófilo de um regime assassino.
O que essas atitudes presidenciais, aparentemente desconexas, têm em comum é que em todos esses episódios Bolsonaro insiste em demonstrar uma visão sectária de mundo e de política, que pode ter contribuído para sua eleição, mas que é um veneno para qualquer governante.
Na demissão de Gustavo Bebianno e na humilhação pública imposta a Sérgio Moro ao exigir que a nomeação de Ilona Szabó para um conselho acessório fosse sustada, Bolsonaro cedeu aos apelos dos filhos e do núcleo mais radical de seu governo, que tem as redes sociais como amplificador. Nos dois casos, o presidente se mostrou inflexível a apelos daqueles que teriam o poder “moderador” no governo, os militares – que entenderam que, assim como Bebianno, Moro, Paulo Guedes ou qualquer outro, também não tem ascendência sobre o “capitão” quando do outro lado estão os filhos.
O elogio ao paraguaio Alfredo Stroessner, o mais longevo dos ditadores sul-americanos, pedófilo serial e cujo regime não escondia o patrocínio ao narcotráfico, promovia eleições fraudadas e torturou e matou um número de civis estimado em 4.000 pessoas, mostra que a faceta do Bolsonaro deputado polemista não o abandonou com a chegada ao poder. O que um presidente do século 21, eleito democraticamente num País que superou a própria ditadura já há mais de 30 anos tem a ganhar para seu governo, e que mensagem passa aos seus governados, ao tecer loas a um personagem desse? Deve-se inferir que é esse o modelo de “estadista” de Bolsonaro?
Por fim, a insistência do presidente em dizer que a reforma da Previdência tem “gordura”, pode ser desidratada, que a idade mínima para aposentadoria de mulheres pode cair, que as novas regras de Benefício de Prestação Continuada são um bode na sala são a forma de Bolsonaro deixar claro que o mea culpa que fez no Congresso por ter votado historicamente contra reformas – que elogiei neste mesmo espaço na semana passada – era da boca para fora.
Na essência, Bolsonaro segue, também nesta matéria, preso ao segmento do qual é oriundo. Como deputado, o hoje presidente nunca foi o articulador político que se espera que ele vire agora que a reforma está em campo. Pelo contrário: sempre foi um defensor intransigente dos interesses mais específicos das corporações, dos privilégios de militares e do peso estatal na economia (contra privatizações). A demora no envio do projeto concernente aos militares na reforma e as declarações do presidente agora traem que, no fundo, ele segue pensando da mesma maneira.
Em nenhuma dessas manifestações que reuni aqui o gesto de Bolsonaro foi no sentido de ampliar o público para o qual fala, mas de atender àquele mais radicalizado que já o idolatra. O que é um erro crasso, diante da pesquisa que mostra que o porcentual dos que acham seu governo ótimo ou bom é de 39%, menos da metade da população.
Sectarismo, radicalização e a insistência de se alimentar do gueto das redes sociais não são atitudes que coadunam com a exigência de convencer toda a sociedade da necessidade, por exemplo, de rever a expectativa de vida útil e de ganhos na velhice. Isso exige de um governante a capacidade de falar ao conjunto do País, vocalizando de forma sincera a necessidade de que cada um colabore um pouco para que todos tenham direito a uma aposentadoria.
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