O governo descobre a crise – Editorial | O Estado de S. Paulo
No mundo rico, os governos já mobilizaram um poderoso arsenal de medidas anticrise. No Brasil, o governo adotou, até agora, medidas limitadas
Com atraso o governo brasileiro decidiu, enfim, reagir aos efeitos econômicos do coronavírus. Cerca de R$ 23 bilhões entrarão no mercado, em abril, com a liberação da primeira parcela do 13.º aos segurados do INSS. Depois de muita relutância, a medida foi anunciada na quinta-feira, no fim de mais um dia de terror nas bolsas de valores e de commodities de todo o mundo. Na manhã seguinte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer novas medidas em 48 horas, em resposta a cobranças e críticas do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O ministro se absteve de especificar as medidas. No começo da semana será possível conferir se foi apenas uma bravata, mais uma reação às dificuldades de entendimento com o Legislativo. Como nos dias anteriores, o ministro estava pressionando os parlamentares pela aprovação de reformas. Deputados e senadores poderiam, naquele momento, responder no mesmo tom, cobrando a apresentação, já com muito atraso, das propostas do Executivo para a reforma administrativa e para a tributária.
Com pouca ação efetiva contras os efeitos econômicos do coronavírus, o governo brasileiro continuava em descompasso com a maior parte dos grandes países. Naquela altura, meio trilhão de dólares já havia entrado no mercado americano. Era a primeira parcela, entregue na quinta-feira, de uma recém-anunciada injeção de US$ 1,5 trilhão, parte da terapia antivírus aplicada à maior economia do mundo. Enquanto o Fed fazia sua parte, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e o presidente Donald Trump antecipavam ao público medidas fiscais de socorro a empresas e a trabalhadores afetados pela crise.
A sexta-feira havia começado com melhoras nos mercados de todo o mundo. Terminava com sinais de normalização uma semana de pânico e de perdas monstruosas, com as maiores quedas em décadas. Exemplo: só na quinta-feira empresas cotadas na B3, a bolsa brasileira, perderam R$ 489,2 bilhões em valor de mercado, segundo a consultoria Economática. No fim do pregão o Ibovespa, índice principal, estava 14,78% abaixo do nível do dia anterior.
A reação no fim da semana espalhou-se por todos os mercados, com grandes altas de cotações nas primeiras horas de pregão. As medidas anticrise anunciadas nas maiores economias pareciam, enfim, produzir efeito. Na União Europeia, dirigentes do bloco haviam apresentado um pacote de 37 bilhões de euros para ações de emergência contra o coronavírus e seus efeitos econômicos. Além disso, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, havia mencionado novas medidas em caso de agravamento da crise. Os governos poderiam, se necessário, relaxar o esforço de redução dos déficits fiscais.
No Brasil, a manhã foi mais acidentada. Depois de um começo favorável, com ações em forte alta e dólar e juros futuros em queda, o quadro começou a mudar. A incerteza quanto às condições de saúde do presidente Jair Bolsonaro começou a afetar as negociações. Mas o teste para coronavírus deu resultado negativo, segundo se informou oficialmente, afinal, no começo da tarde. Uma notícia extraoficial sobre resultado positivo havia circulado cerca de uma hora antes.
No começo da manhã, quando os investidores se mostravam mais animados, havia chegado a subir 15%. Horas depois, quando se agravaram as dúvidas sobre o estado do presidente, a alta ficou reduzida a menos de 1%.
Sinais de insegurança, no entanto, permaneceram, especialmente no câmbio. Assim continuarão, provavelmente, enquanto a epidemia avançar e seus efeitos econômicos ainda se desdobrarem. No mundo rico os governos já mobilizaram um poderoso arsenal de medidas anticrise. No Brasil, o governo nem chegou a formular uma estratégia, limitando-se, até agora, a medidas muito limitadas. Fora do governo, já se defendem medidas fiscais mais ambiciosas, com adoção, se for o caso, de um limite menos severo de déficit primário (calculado sem os juros). Respeitados especialistas em contas públicas, como o economista Raul Velloso e o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, defendem essa possibilidade.
Começa a batalha pela paz – Editorial | O Estado de S. Paulo
O acordo entre EUA e Taleban é só o primeiro passo do caminho rumo à paz no Afeganistão
Após 18 anos, um acordo de paz com o Taleban põe fim à guerra dos Estados Unidos no Afeganistão. Ao menos formalmente. Na prática, é apenas o começo do fim, que, em tese, deve se consumar em 14 meses. Neste período os norte-americanos se comprometeram a retirar todas as suas forças do Afeganistão, começando com cerca de 4 mil soldados em 135 dias, e reduzindo gradualmente os restantes 8.600, juntamente com os 39 mil que compõem a coalizão aliada. Os EUA buscarão o endosso do Conselho de Segurança da ONU a fim de remover as sanções contra o Taleban. Em troca, os líderes talebans devem romper seus laços com a Al-Qaeda e outros grupos terroristas e iniciar negociações com o governo afegão para pôr fim à guerra civil e reintegrar-se na política nacional.
O conflito começou logo após o 11 de Setembro de 2001 como parte da caça à Al-Qaeda de Osama bin Laden, protegida pelo Taleban, que à época controlava boa parte do Afeganistão. O Taleban logo foi derrubado e quando Bin Laden foi morto, em 2011, a Al-Qaeda estava entocada no Paquistão e muito mais debilitada. Mas o conflito se tornou cada vez mais confuso. Já em 2003, o secretário de defesa Donald Rumsfeld admitia em um dossiê recentemente revelado não ter “nenhuma visibilidade de quem são os vilões aqui”. Doze anos depois, o general Douglas Lute, que serviu sob Bush e Obama, confidenciou: “Não sabemos o que estamos fazendo”. Foi o conflito mais longo da história dos EUA, deixando mais de 3 mil de seus soldados mortos no solo afegão, ao custo de quase US$ 1 trilhão para seus contribuintes. Com o tempo, ficou claro que a vitória americana não era uma opção.
Mas a verdade dramática é que agora tampouco é claro se a paz é uma opção. O Afeganistão está em guerra há 40 anos, e pode-se estimar o quão distante está do seu fim pelas expectativas enumeradas na declaração oficial da Otan: “Esperamos agora o começo de negociações intra-afegãs que levem a um acordo de paz duradouro e abrangente que ponha fim à violência, salvaguarde os direitos humanos de todos os afegãos, incluindo mulheres e crianças, sustente o Estado de direito e assegure que o Afeganistão jamais sirva novamente de porto seguro a terroristas”.
O acordo previu a liberação de 5 mil prisioneiros talebans. Mas menos de 24 horas depois o governo afegão, que não participou das negociações, declarou não estar obrigado a nada antes de pactuarem um cessar-fogo. Tampouco é claro como o Taleban será reintegrado às forças de defesa e à vida política nacional – muito menos como isso será compatível com os direitos das mulheres afegãs, que nos cinco anos de domínio taleban sofreram sob a mais bárbara interpretação da lei islâmica. Mesmo na semana de paz estabelecida para o acordo, o Taleban teve dificuldades de controlar suas várias facções, e com o tempo as mais radicais podem estender sua simpatia aos líderes da Al-Qaeda e outros jihadistas. Muitos temem que o Taleban esteja apenas dissimulando um interesse pela paz para retomar o poder pelas armas.
“A verdadeira chave para o Afeganistão não se precipitar em uma guerra civil ainda mais longa é o grau de disposição dos EUA e da Otan para financiar e treinar as forças de segurança afegãs a longo prazo”, disse ao New York Times o almirante americano e ex-comandante da Otan James G. Stavridis. A capacidade da comunidade internacional e em especial dos americanos de mobilizar o governo e as alas moderadas do Taleban para reprimir terroristas e evitar o recrudescimento da guerra civil é o ponto crítico do acordo.
O caminho para a paz é longo e incerto, mas ao menos despontou uma luz no fim do túnel. Há o suficiente para nutrir as esperanças mais idealistas. O realismo, porém, impõe admitir que, se há alguma situação em que o bordão chauvinista de Theodore Roosevelt é pertinente, é na retirada do Afeganistão: “Fale com suavidade e carregue um grande porrete; você irá longe”.
Vara autoritária – Editorial | O Estado de S. Paulo
É prerrogativa do prefeito, em nome do povo que o elegeu, propor mudanças na lei
Através de uma liminar concedida no final do ano passado, a 14.ª Vara da Fazenda do Tribunal de Justiça de São Paulo está impedindo a Prefeitura de encaminhar à Câmara Municipal qualquer projeto de lei que promova ajustes na Lei de Zoneamento. Sob o pretexto de defender os interesses da sociedade, supostamente representada pela meia dúzia de associações que moveram a ação, o Judiciário está impedindo a sociedade de promover seus interesses por intermédio de seus representantes eleitos nos Poderes Executivo e Legislativo. É mais uma peça a avolumar a grotesca “jurisprudência” do ativismo judicial brasileiro.
Desde 2017 a Prefeitura realiza um processo para formatar um projeto de lei alterando a Lei de Zoneamento, que culminou com uma série de audiências públicas em 2019. Em dezembro, com o projeto a ponto de ser encaminhado à Câmara, um grupo de associações civis ajuizou uma ação solicitando a suspensão do processo, sob a alegação de vícios formais no trâmite pré-legislativo, entre eles a falta de discussão e divulgação das propostas à sociedade. Ao deferir o pedido, o Judiciário interferiu no legítimo exercício dos Poderes Executivo e Legislativo.
O Poder Judiciário tem o dever de julgar se os atos dos outros dois Poderes estão em conformidade com as leis e a Constituição. Mas para tanto é preciso que existam esses atos. O Poder Legislativo goza de autonomia para editar as leis, que, uma vez promulgadas, podem ser submetidas à apreciação da Justiça. O controle jurisdicional sobre o processo de confecção das leis é possível, mas como medida excepcional, sob condições excepcionais. Em primeiro lugar, é preciso que haja um projeto em trâmite que viole o processo legislativo. Além disso, o Judiciário só pode intervir se provocado por um parlamentar, por meio de um mandado de segurança.
A liminar da Justiça paulista não cumpre nenhum destes requisitos: não é um mandado de segurança, não foi solicitada por algum parlamentar e não se destina a um projeto em tramitação, mas a um projeto anterior à tramitação, que fica, assim, impedida.
Como disse o falecido ministro Teori Zavascki em acórdão da Suprema Corte, “a prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detêm de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade”.
Alguns membros do Judiciário brasileiro tem se destacado por seu apetite por subtrair aos outros Poderes as suas prerrogativas, colocando-se como pretensos intérpretes da vontade do povo. Recentemente, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo precisou acionar o Supremo para derrubar uma liminar do Tribunal de Justiça que a impedia de fazer tramitar a reforma da previdência. Em 2016, o próprio Supremo, representado pelo ministro Luiz Fux, obrigou o Senado a devolver à Câmara o projeto de lei das malfadadas “10 Medidas Contra a Corrupção” para que fosse votado novamente, mas sem as modificações feitas pelos deputados, sob a exótica justificativa de que o projeto, por ser de iniciativa popular, não poderia ter sofrido mudanças.
É prerrogativa do Prefeito de São Paulo, em nome do povo que o elegeu, propor mudanças na lei em questão. Em nome do povo, qualquer cidadão tem a prerrogativa de contestar estas mudanças. Mas quem deve decidir se as mudanças atendem ou não aos interesses do povo são os seus representantes eleitos na Câmara legislativa. O Judiciário pode julgar se esta decisão é ou não compatível com as leis, mas jamais pode impedir que o corpo legislativo decida sobre assunto de sua competência, como está acontecendo agora. A pretexto de defender os direitos do povo a Justiça os está violando.
Crise mascarada – Editorial | Folha de S. Paulo
Ao fustigar Congresso na crise do vírus, Bolsonaro ainda aposta na confusão
O avanço do coronavírus parece ter convencido o presidente Jair Bolsonaro da importância de vestir máscara e lavar as mãos para evitar o contágio, mas não das virtudes da prudência e da moderação.
Dois dias depois de classificar o vírus como uma fantasia inventada pela imprensa, tratando com leviandade os riscos criados pela pandemia, o presidente rendeu-se aos fatos diante da confirmação de que seu próprio secretário de Comunicação havia sido infectado.
Em dois pronunciamentos na noite de quinta (12), primeiro dirigindo-se à claque das redes sociais e depois em cadeia de rádio e TV, Bolsonaro reconheceu a gravidade da situação e disse que o governo está preparado para controlá-la.
Sem detalhar medidas ou transmitir orientações, ele logo passou ao assunto que realmente o preocupava e sugeriu o adiamento das manifestações antes programadas para este domingo (15).
O próprio Bolsonaro vinha insuflando os protestos, que tinham o Congresso e suas principais lideranças como alvos principais, e voltou a fazê-lo ao pedir que os apoiadores fiquem em casa para conter a disseminação do vírus.
A sugestão foi prontamente acatada pelos organizadores dos atos, mas o presidente fez questão de enaltecê-las como expressões legítimas de insatisfação popular e disse que a mobilização alcançara resultados antes mesmo de começar. “Foi dado um tremendo recado para o Parlamento.”
É fácil perceber que Bolsonaro fabricou mais uma crise com o único objetivo de intimidar o Legislativo, parte de um esforço permanente para submeter instituições democráticas a desgaste contínuo.
Os últimos acontecimentos deixaram claro que as provocações do presidente são fonte permanente de instabilidade e desafiam a capacidade do sistema político de enfrentar os problemas reais que desafiam o país —da crise do coronavírus à debilidade econômica.
Antes de vestir a máscara para falar aos seguidores, Bolsonaro passou duas semanas desautorizando os articuladores do Palácio do Planalto e fustigando os líderes do Congresso, que buscavam solucionar a disputa travada com o Executivo pelo controle do Orçamento.
Na quarta (11), quando os parlamentares derrubaram de forma irresponsável o veto do presidente a um dispositivo que aumenta gastos com benefícios assistenciais, não havia ninguém capaz de ajudá-lo a evitar a derrota.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu medidas emergenciais e cobrou empenho do Legislativo para aprovar as reformas econômicas. Pode ser o início de um diálogo mais produtivo, mas que não avançará se Bolsonaro continuar apostando no tumulto.
Trapalhadas gerais – Editorial | Folha de S. Paulo
Governador mineiro fomenta crises em sequência ao ceder a pressão de policiais
À frente de um estado assolado por uma das mais severas crises fiscais da Federação, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), causou perplexidade no mês passado ao encaminhar à Assembleia projeto de lei conferindo espantosos 41,7% de reajuste salarial aos agentes de segurança estaduais.
A iniciativa do mandatário, neófito na política e eleito com a promessa de austeridade orçamentária, representou sua capitulação à chantagem praticada por policiais militares, cuja atitude, embora de violência menos explícita, repetia em essência o estratagema dos colegas então amotinados no Ceará.
O aumento seria dividido em três anos e resultaria numa despesa extra de R$ 9 bilhões. Como se não bastasse, durante a votação da proposta, aprovada por larga maioria, deputados apresentaram uma emenda majorando os vencimentos de outras 13 categorias, que elevou para cerca de R$ 20 bilhões o impacto no Orçamento estadual.
Logo, contudo, a realidade se impôs. Nesta semana, Zema anunciou o veto à quase totalidade das benesses aprovadas, deixando incólume apenas um aumento de 13% aos policiais, a parcela prevista originalmente para 2020.
O governador buscou justificar sua decisão com o argumento de que as condições macroeconômicas do país pioraram desde a aprovação do projeto, mas o fato é que o reajuste sempre fora inexequível.
De acordo com o Ministério da Economia, a dívida total de Minas Gerais com a União é de nada menos que R$ 99,6 bilhões. O 13º de boa parte do funcionalismo ainda não foi pago, e salários vêm sendo parcelados desde 2016.
A situação só não é pior graças a liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal, que interromperam o pagamento do débito com o governo central e deram algum alívio ao estado.
Havia também o temor de que o reajuste de 41,7% impedisse Minas de aderir ao regime de recuperação fiscal, acordo que o governador considera, desde o início de sua gestão, a única saída para a crise.
Ao conduzir a discussão de forma errática e irresponsável, Zema conseguiu ainda criar uma crise política. O recuo fez com que o secretário de Governo, que conduzira as negociações, pedisse demissão e indispôs o governador com a sua base aliada, incomodada por não ter sido consultada antes da medida.
Espera-se que, ao menos, a frustração salarial dos policiais não degenere em insubordinação.
Efeito da queda do veto no BPC vai além da epidemia – Editorial | O Globo
Não é possível que a base jurídica contra estes novos gastos bilionários deixe de sustentar o ajuste fiscal
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi feliz ao criticar a queda de um veto presidencial que espetou uma conta adicional de R$ 20 bilhões já este ano no Tesouro, lembrando que esta manobra populista da maioria do Congresso, e, portanto, inconsequente, ocorria enquanto as bolsas mergulhavam em todo o mundo, e o dólar subia com vigor no Brasil.
A decretação, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o surto inicialmente chinês do coronavírus se transformara em uma pandemia acionou o estopim do agravamento de uma crise financeira já esboçada. Nesse dia, quarta-feira, 11, a decisão do Congresso criou despesas de R$ 217 bilhões em dez anos, reduzindo em quase 30% a economia feita na difícil reforma da Previdência.
A coincidência ressaltou o despropósito dos políticos. Este tipo de manobra de grupos que se consideram fazedores do “bem”, mesmo que destruam as contas públicas — o que irá tornar ainda mais pobres aquele que dizem defender —, atingiu desta vez uma viga estratégica do ajuste fiscal, pondo em xeque inclusive o teto constitucional dos gastos, fundamental para balizar a execução do Orçamento.
Os bilhões em despesas a mais surgem de uma mudança na norma de distribuição do Benefício de Prestação Continuada (BPC), distribuído a idosos e/ou deficientes de baixa renda, mesmo que não tenham contribuído para a Previdência. Muito justo. Mas a lei derrubada reduzira de R$ 522,50 para R$ 261,25 o limite da renda até o qual a pessoa pode reivindicar o benefício. O veto voltou a ampliar o número de beneficiados, e assim aumentou os gastos em todos estes bilhões.
A situação é grave, também porque o enfrentamento da epidemia do coronavírus, que ainda não explodiu no país, mas explodirá, exigirá alguma margem fiscal do governo para atender a necessidades vitais do sistema de saúde. Se em condições normais não era hora de romper com o ajuste, muito menos isso deve ser feito agora, quando qualquer exceção só poderá ser justificada se for para salvar vidas. Não para atender a projetos político-eleitorais de grupos de demagogos.
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, promete que o governo recorrerá ao Supremo e ao Tribunal de Contas em defesa de princípios inscritos na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo 167 da Carta impede que sejam feitos gastos que não constem da Lei Orçamentária e haja despesas que excedam os créditos orçamentários. E a LRF exige a definição da fonte dos recursos para os novos gastos. São claros os princípios.
O coronavírus monopoliza a atenção da opinião pública. Mas se a queda deste veto for referendada, o que parece impensável do ponto de vista jurídico, suas implicações negativas perdurarão por muito tempo para além do fim da epidemia.
Apesar de inegáveis avanços, falta de mandante é lacuna no caso Marielle – Editorial | O Globo
Investigações apontaram executores, que estão presos, mas há que se identificar os mentores
Faz dois anos que a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no Estácio, crime que chocou o país e teve grande repercussão no exterior. Não se pode dizer que nesses 730 dias a Polícia Civil e o Ministério Público estadual não tenham avançado. Na terça-feira, o Tribunal de Justiça do Rio aceitou o pedido do MP para que o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, apontados como executores, sejam julgados por júri popular.
Acusados de duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e sem chance de defesa às vítimas), eles foram presos em 12 de março do ano passado e se encontram no presídio federal de Porto Velho, em Rondônia. De acordo com as investigações, Ronnie efetuou os disparos, e Élcio dirigiu o Cobalt de onde partiram 13 tiros fatais.
Ressalte-se que a prisão da dupla é fruto de minuciosa investigação da polícia e do MP que desvendou os passos de Ronnie e Élcio antes, durante e depois do crime, em 14 de março de 2018. Sabe-se que eles saíram da Barra, ficaram longo tempo de campana enquanto Marielle participava de um evento na Rua dos Inválidos, no Centro, e retornaram à Barra após o crime, permanecendo quase quatro horas num restaurante antes de voltarem para casa. Esse passo a passo foi construído a partir do cruzamento de dados de antenas de celular, acessos à internet, imagens de câmeras de rua etc. Tudo isso aliado a informações recebidas pela polícia.
O trabalho se torna mais relevante à medida que o crime foi obra de ex-policiais, matadores de aluguel, que usaram de sua experiência para apagar rastros. O assassinato foi cometido num trecho da Rua Joaquim Palhares escuro e sem câmeras. O carro usado pelos bandidos nunca apareceu, e as armas teriam sido jogadas no mar.
Mas nesse quebra-cabeça falta peça fundamental. Saber quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê. A prisão dos executores é apenas parte da resposta. O assassinato de Marielle não é somente mais um crime entre os tantos homicídios registrados no Rio. Trata-se de uma afronta ao estado democrático de direito, à medida que calou uma vereadora eleita por voto popular.
Nesse sentido, é estéril a discussão sobre a federalização ou não do caso. De fato, a polícia do Rio cometeu erros. Como acreditar numa testemunha que só pretendia tumultuar a apuração. O que levou a Polícia Federal a “investigar a investigação”. Porém, em se tratando de um crime de difícil solução, deve-se somar forças, e não dividi-las. Não há lugar para guerra de egos ou disputa por protagonismos. O objetivo comum de órgãos federais e estaduais deve ser o esclarecimento total do crime. É isso o que a família de Marielle e a sociedade aguardam há dois anos.
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