Governo particular – Editorial | O Estado de S. Paulo
Bolsonaro não pode tomar decisões apenas com o intuito de prejudicar adversários
A greve dos policiais militares (PMs) do Ceará terminou, mas seus muitos e graves efeitos ainda se farão sentir por algum tempo. Além de revelar a extensão da organização sindical dos policiais, impedidos por lei de fazer greve, o movimento indicou uma forte contaminação política, que torna secundária a reivindicação salarial.
Há políticos oportunistas direta ou indiretamente envolvidos na iniciativa paredista e principalmente na exploração de suas consequências mais danosas para a imagem dos governadores cujos Estados foram afetados. Os policiais, nesses Estados, se transformaram em instrumento de pressão de uma oposição que nada tem de democrática – ao contrário, mal esconde seu perfil autoritário. Como os policiais grevistas foram bem-sucedidos em espalhar o desassossego público e encurralar os governadores, deve-se esperar que novas paralisações ilegais de agentes armados se repitam Brasil afora.
A propósito do caráter político que o movimento grevista da PM começa a adquirir, chamou a atenção o comportamento do governo federal no caso da paralisação no Ceará. Como se sabe, o presidente Jair Bolsonaro passou toda a sua vida como deputado a cortejar os policiais militares. Na sua campanha à Presidência, chegou a defender os PMs amotinados que levaram o caos ao Espírito Santo. Sendo assim, não surpreende o tratamento brando que o governo federal dedicou aos policiais grevistas do Ceará, a ponto de o ministro da Justiça, Sérgio Moro, ter dito que estava tudo “sob controle” no Estado no momento em que dezenas de pessoas eram mortas no surto homicida que se seguiu ao aquartelamento da PM. Também não surpreende que Moro tenha dito que os policiais “não podem ser tratados de nenhuma maneira como criminosos”, muito embora os grevistas – além de terem feito uma paralisação ilegal – tenham baleado um senador da República, aterrorizado comerciantes e tomado e incendiado veículos da polícia, entre outras barbaridades.
Ou seja, o governo parece mais preocupado em manter-se afinado com a base eleitoral do presidente, muitas vezes em detrimento da ordem e da lei – e isso fica ainda mais evidente em Estados governados por políticos de esquerda. O caso do Ceará é ilustrativo.
No auge da crise, chamou a atenção a disposição do presidente Bolsonaro de não renovar o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que permitiu a presença de militares do Exército no Ceará durante a greve da PM. “A GLO não é para ficar eternamente atendendo um ou mais governadores”, disse Bolsonaro, em referência ao pedido de renovação da GLO feito pelo governador cearense, Camilo Santana. O fato de Santana ser do PT não parece fortuito: Bolsonaro elegeu-se prometendo “fuzilar a petralhada”, e nada mais natural que, nesses termos nada democráticos, o presidente resista a atender aos pleitos de petistas – especialmente os desesperados.
O presidente da República, conforme o artigo 37 da Constituição, deve obedecer ao princípio da impessoalidade ao governar. Não pode tomar decisões com o intuito de prejudicar adversários, ainda mais quando vidas de cidadãos estão em jogo. Bolsonaro só voltou atrás na sua intenção de prejudicar o governo petista do Ceará por pressão de vários outros governadores, de diversos partidos.
Não foi a primeira vez que Bolsonaro agiu segundo razões e impulsos pessoais. Ele já disse que pretendia “dar um filé mignon” para seu filho Eduardo Bolsonaro, em referência à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos; um fiscal do Ibama que multara Bolsonaro quando este ainda era deputado foi exonerado; e o presidente ameaçou usar seu poder para sufocar economicamente jornais críticos a seu governo. A lista é longa.
Está claro que Bolsonaro não sabe a diferença entre governar o País e resolver pendengas particulares. Esse comportamento ganha contornos muito graves quando prejudica Estados que deram o azar de serem governados por políticos que o presidente considera inimigos.
O País reage ao coronavírus – Editorial | O Estado de S. Paulo
A epidemia global de coronavírus (Covid-19) iniciada na China no final do ano passado já infectou, aproximadamente, 89 mil pessoas – das quais cerca de 3 mil morreram – em 17 países, inclusive o Brasil, onde dois casos de contaminação de pacientes que viajaram à Itália foram confirmados em São Paulo, ambos sem gravidade.
A justificada apreensão quanto à evolução da nova doença tem afetado fortemente os humores das pessoas e dos mercados mundo afora (ver editorial O efeito econômico da epidemia, abaixo). Observa-se uma corrida desenfreada às farmácias em busca de máscaras cirúrgicas, que só devem ser usadas por quem apresenta os sintomas de gripe, e frascos de álcool em gel, eficaz na prevenção. Escolas têm recomendado a alunos que viajaram ou tenham tido contato com pessoas que viajaram a países afetados pela epidemia que fiquem em casa. Empresas idem. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu de 2,9% para 2,4% sua projeção de crescimento global para este ano em função do surto de Covid-19, que afeta primordialmente a China, país que há três décadas puxa o indicador para cima.
Uma onda de pânico e desinformação é mais perniciosa do que os efeitos do coronavírus por atribuir à doença uma gravidade muito maior do que a que ela tem na realidade. O diagnóstico de coronavírus não é uma sentença de morte, bem longe disto. Na esmagadora maioria dos casos, os sintomas são semelhantes aos de uma gripe simples (febre, tosse, coriza). Os casos fatais foram observados em pacientes que já eram suscetíveis a problemas respiratórios mais sérios, o que explica a baixa taxa de mortalidade da nova cepa do coronavírus, entre 2,5% e 3%. Neste sentido, a mídia profissional, a comunidade científica e a administração pública brasileiras vêm agindo muito bem até o momento para evitar que à epidemia se acrescente o pânico.
Apenas 48 horas depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil – o primeiro na América Latina – cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Adolfo Lutz, em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido, sequenciaram o genoma da cepa que chegou ao Brasil, nomeada Sars-CoV-2. Trata-se de um grande feito da ciência brasileira e mostra a importância da coordenação de esforços em nível global para enfrentar essa ameaça epidemiológica ainda por ser totalmente pesquisada. Com base neste trabalho, pôde-se identificar a origem do vírus que contaminou os brasileiros, desconhecida até na Itália, e avançar nos estudos para o desenvolvimento de uma vacina.
Até aqui, também merecem destaque as ações proativas dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. A pasta da Saúde tem se mostrado uma fonte de informação preciosa em relação à doença e às formas de prevenção. Em meio à disseminação de fake news – até uma xícara de água morna aparece como forma de “matar” o coronavírus, o que é uma grossa mentira –, tanto o site do Ministério da Saúde como o portal da pasta no YouTube são bastante esclarecedores. Pena que, pelo que mostram os números, pouca gente os acesse. Também é positiva a ação do Ministério da Saúde de antecipar a campanha nacional de vacinação contra a gripe Influenza para o próximo dia 23. Ela não imuniza contra o coronavírus, mas evitará que os casos não relacionados ao Sars-CoV-2 sobrecarreguem o sistema público de saúde.
Já o Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a pasta da Saúde, criou uma rede de pesquisadores de alto nível oriundos de entidades científicas e universidades federais a fim de decifrar a nova doença e estudar formas de imunização. Ou seja, o País tem os seus melhores cientistas debruçados sobre um problema que preocupa o mundo inteiro, o que há de dar algum conforto aos cidadãos mais aflitos.
Igualmente tranquiliza, ao menos por ora, ouvir de especialistas como o imunologista Dráuzio Varella que o Sistema Único de Saúde (SUS) está preparado para atender os casos de coronavírus no Brasil. Oxalá esta capacidade não precise ser testada.
O efeito econômico da epidemia – Editorial | O Estado de S. Paulo
Apontado como a maior ameaça à economia mundial desde a crise de 2008, o coronavírus é um bom motivo para mais um corte de juros no Brasil, segundo economistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Sem espaço nas contas para maiores gastos ou corte de impostos, autoridades brasileiras só podem recorrer à política monetária para atenuar o impacto econômico da nova epidemia mundial. Mais uma vez, portanto, a iniciativa deve ficar para o Banco Central (BC), principal fonte de estímulo aos negócios num país com as finanças públicas ainda em mau estado. A recomendação do corte de juros, dirigida de forma especial a países como Brasil e Índia, está no relatório intitulado Coronavírus: a economia mundial em risco, divulgado ontem.
O crescimento global em 2020 está agora projetado em 2,4%, meio ponto abaixo da estimativa anterior, de novembro. Mas esse número aparece no cenário básico, ainda razoavelmente otimista.
Num cenário pior, com maiores danos na China e em outros países afetados pelo vírus, a expansão do produto mundial poderá ficar em 1,5%, aproximadamente metade do ritmo estimado para 2019, já qualificado como baixo pelos técnicos da OCDE.
O crescimento agora projetado para o Brasil, de 1,7%, é o mesmo apontado no relatório de novembro. A estimativa para 2021 também é igual à anterior, de 1,8%. Para a economia global a projeção é de retomada mais vigorosa, com crescimento de 3,3% no próximo ano, ou 0,3 ponto superior ao indicado em novembro.
Em países com as finanças públicas em melhores condições, a resposta aos problemas causados pela epidemia poderá ser dada por meio de ações fiscais, como expansão do investimento governamental ou corte de tributos.
A equipe da OCDE também recomenda a manutenção de políticas monetárias estimulantes, já em vigor nos países mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, os juros já são muito baixos, até negativos em alguns casos, e há muito dinheiro no mercado. Ainda assim, o presidente do BC japonês, Haruhiko Kuroda, anunciou a disposição de prover mais liquidez e garantir estabilidade no mercado financeiro se isso for necessário. Esse pronunciamento, feito um dia antes de publicado o relatório da OCDE, reforçou declaração feita na semana anterior.
Alguns grandes bancos centrais, como o da zona do euro, têm pouco espaço para ampliar os incentivos monetários. Já foram muito longe, nos últimos anos, e seus dirigentes têm conclamado os condutores da política fiscal a prover mais estímulos à economia. A conclamação tem sido feita com ênfase crescente desde o ano passado, com apoio de entidades multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e a OCDE.
Os entraves ao crescimento devem provir, neste ano, de fatores já discutidos nas últimas semanas, como contração do comércio, paralisação de unidades produtivas, diminuição do turismo e ruptura do fornecimento de bens intermediários e de outros insumos. Alguns desses problemas, como a interrupção de fornecimento de componentes, já são observados, por exemplo, no setor de equipamentos eletrônicos. O relatório da OCDE apontou de forma genérica uma dificuldade já sentida no Brasil.
A nova crise sanitária surgiu na China, segunda maior economia do mundo, quando terminava um ano difícil e surgiam sinais de estabilização, como a trégua no conflito comercial entre americanos e chineses. Esperava-se uma aceleração global, facilitada pela recuperação do comércio e da confiança. Agora, o melhor remédio econômico, segundo a OCDE, será, como em outras ocasiões, a ação coordenada – começando pela proteção da saúde. A resposta econômica é a segunda prioridade, e deve incluir atenção aos mais necessitados. Não há detalhes no documento, mas entre os mais vulneráveis certamente se incluem as pessoas nas filas do INSS e do Bolsa Família.
Congresso emergente – Editorial | Folha de S. Paulo
Altivez do Legislativo é desejável, assim como acordos políticos para a agenda
Em seus registros diários nos tempos de presidente, depois convertidos em livros, o tucano Fernando Henrique Cardoso se queixa com frequência da pequenez das demandas parlamentares por cargos e verbas nas negociações em torno de reformas cruciais.
Não obstante, FHC se tornou referência na formação de coalizões multipartidárias capazes de minimizar riscos políticos. E não por acaso, dado que o presidente eleito anterior havia sucumbido a um processo de impeachment.
O modelo foi levado ao paroxismo pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva, que reuniu em torno de si um arco de forças ainda mais heterogêneas —do qual fez parte até o hoje presidente Jair Bolsonaro, então deputado pelo Rio de Janeiro.
Ao longo de duas décadas, que incluíram ainda o primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), tal arranjo prevaleceu como a forma mais viável de governar em meio ao quadro partidário hiperfragmentado originado da redemocratização.
Cabia basicamente ao Palácio do Planalto ditar a agenda nacional; para tanto, contava-se com o poder da caneta presidencial na liberação de recursos orçamentários e nas nomeações. Ministérios eram criados para acomodar aliados; ações de governo surgiam para contemplar projetos paroquiais de deputados e senadores.
Os congressistas aceitavam de bom grado seu papel subalterno, que garantia benefícios sem maiores responsabilidades. Encontrar dinheiro para fechar as contas, afinal, era problema do Executivo.
Como assinalou reportagem desta Folha, vivemos outros tempos desde o impeachment de Dilma e, sobretudo, com a recusa de Bolsonaro em participar do jogo político —por ele associado de modo caricatural e temerário à corrupção.
Foi interessante, sem dúvida, ver o Congresso a rejeitar medidas provisórias abusivas e a assumir protagonismo na condução da reforma da Previdência, mesmo que tenha sido movido mais pelo imperativo da sobrevivência do que por alguma estratégia programática.
Há méritos, também, na busca por maior controle da execução do Orçamento, ora objeto de conflito com o Planalto. Nesse caso, porém, a ofensiva se mostra açodada: tal avanço deveria ser precedido por um novo desenho do processo orçamentário, no qual o Legislativo também tivesse de zelar pela solidez das finanças públicas.
São desejáveis tanto um Congresso altivo quanto acordos políticos amparados mais na negociação da agenda de governo do que em favores fisiológicos. Parece difícil prever os desdobramentos da atual crise do modelo, mas uma queda de braço permanente entre dois Poderes decerto não se afigura um caminho promissor.
Bolsa para quem precisa – Editorial | Folha de S. Paulo
Capes precisa ser transparente sobre como programas são afetados por nova regra
Vinculada ao MEC, a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tem um papel de destaque na formação de recursos humanos avançados, por meio de bolsas destinadas a programas de pós-graduação com nota mínima 3, numa escala que chega até 7.
Em 2019, por força das restrições orçamentárias, a concessão de novas bolsas foi diminuída em 8% pelo governo Jair Bolsonaro. A redução afetou mais a região Nordeste, que viu desaparecerem 2.063 delas (perda de 12% sobre o total do ano anterior). No Sudeste, em comparação, o talho foi de 6%.
A explicação é simples: programas de pós-graduação mais bem avaliados tendem a concentrar-se nas áreas mais desenvolvidas do país. O estado de São Paulo, por exemplo, ostenta vários deles.
A Capes parece ter seguido, ao realizar a contenção, parâmetros razoáveis de qualidade. Assim, o maior número de bolsas novas eliminadas —3.368 do total de 7.115— afetou programas com nota 3, mínimo exigido para manter-se em funcionamento. O problema é que muitos desses cursos estão nos quadrantes mais pobres do Brasil.
Talvez na tentativa de corrigir tal distorção, o órgão do MEC alterou critérios para concessão de novos recursos, que levarão em conta também o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e a produtividade (medida pelo número médio de titulados), além da tradicional avaliação. Mas o fez de modo um tanto confuso.
As portarias publicadas preveem 25%, 50% e 100% mais bolsas para cursos de boa avaliação localizados, respectivamente, em cidades com IDHM alto, médio e baixo (em detrimento daquelas poucas com IDHM muito alto, que são só 44 dos 5.570 municípios brasileiros). A Capes estipulou ainda que nenhum programa perderá mais que 10% das bolsas.
Não se entende, contudo, por que a coordenação incluiu na norma cidades de IDHM médio e baixo. Como mostrou reportagem da Folha, nelas se encontram só 5% dos programas de pós, e eles não contam com as notas exigidas pela Capes para obter as verbas.
Mesmo que a intenção seja promover a redução de desequilíbrios, melhor seria dar transparência imediata a uma relação detalhada de quais programas receberão quantas bolsas. Só assim a sociedade e os interessados poderão aquilatar se a mudança trará benefícios ou prejuízos justificáveis.
Veto de Bolsonaro reacende debate sobre Orçamento – Editorial | O Globo
Em vez de se chocarem em torno de de uma parcela dos gastos, políticos deveriam acabar com as vinculações
A confusão, uma das características do governo Bolsonaro, tomou conta da sanção do Orçamento desde ano, com a decisão do presidente de vetar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dispositivo incluído no Congresso pelo qual as emendas feitas pelo relator do Orçamento e nas comissões também serão de execução obrigatória, como as emendas individuais.
Mas o que está mesmo em questão neste veto, a ser votado hoje, é o princípio do “Orçamento impositivo”, inscrito na Constituição em 2015, que determina ao Executivo executar aquela despesa apresentada e aprovada no Congresso.
O mesmo acontece nas economias e democracias desenvolvidas, como na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, em que debater e aprovar o Orçamento, assim como acompanhar a sua execução, são a tarefa mais importante do trabalho cotidiano do Legislativo, há séculos.
No Brasil republicano, os surtos de autoritarismo e a sucessão de crises econômicas, que por diversas vezes pulverizaram a moeda nacional, relegaram a montagem do Orçamento a segundo plano. Nos ciclos autoritários, porque este era assunto reservado ao Executivo; e, nas crises, a inflação ajudava a tornar as cifras orçamentárias uma ficção.
Infelizmente, a função essencial do Congresso de discutir as prioridades para as despesas públicas nunca foi levada a sério, por essas heranças históricas.
O orçamento impositivo, na verdade, pode ser o início da construção de um relacionamento maduro entre Executivo e Legislativo. Deixando-se para trás o toma lá dá cá em que o governo de turno costumava cobrar apoio político daquele que beneficiava na liberação de dinheiro do Tesouro.
O choque entre o governo Bolsonaro e parte do Congresso, se tem importância política, pouco ou nada representa de concreto no total do Orçamento.
Os R$ 30 bilhões em jogo neste choque são ínfimos dentro de um total de despesas orçadas para este ano de R$ 1,6 trilhão.
Na verdade, o problema grave do Orçamento é que, por força das vinculações estabelecidas por lei, 94% de todas as despesas da União têm destinação predefinida: Previdência, salários do funcionalismo, educação e saúde. Briga-se em Brasília por migalhas.
O presidente Bolsonaro, quando era deputado, elogiava o Orçamento impositivo, para o Congresso se livrar do jugo do Executivo. Agora, age de outra forma. O ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chegou a dizer que parlamentares fazem chantagens com o Planalto.
Por sua vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é veemente defensor do fim das vinculações, para que os políticos decidam sobre o destino do dinheiro dos impostos. “Mais Brasil, menos Brasília” é seu lema.
Uma rusga conjuntural piora o relacionamento, que nunca foi bom, entre Planalto e Congresso. Deveriam todos trabalhar para a aprovação da desvinculação total do Orçamento.
Responsabilidade maior pela tragédia das chuvas é da prefeitura – Editorial | O Globo
Cidade mais uma vez se mostra despreparada para tempestades que são cada vez mais comuns
Alheio ao que se passa na cidade que governa, o prefeito Marcelo Crivella culpou os cariocas pelos estragos da chuva. “A culpa é de grande parte da população que joga lixo nos rios frequentemente” disse ele, ao visitar ontem lugares castigados pela tempestade da madrugada de domingo, que causou a morte de três pessoas na capital e de uma outra em Mesquita, na Baixada Fluminense.
A população pode ter sua parcela de culpa, mas a responsabilidade maior é da prefeitura, que não prepara a cidade para chuvas cada vez mais intensas e frequentes. O prefeito ignora que, se a coleta no Rio fosse eficiente, as pessoas não precisariam despejar os detritos em lugares inadequados, como encostas e leitos de rios. Além disso, cabe ao governo fazer campanhas de conscientização. Convém lembrar que no ano passado o município arrecadou cerca de R$ 460 milhões com a taxa de coleta de lixo, recolhida junto com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O que significa que o serviço é muito bem pago pelos cariocas. Deveria ser impecável.
Seria mais sensato se a prefeitura impedisse que famílias ocupassem margens de rios e encostas, áreas naturalmente sujeitas a desastres. Mas, também nesse caso, a ação de sucessivos governos tem sido pífia.
A verdade é que, desde que assumiu, Crivella não tem conseguido dar respostas adequadas aos temporais, fenômenos recorrentes no Rio. Em fevereiro do ano passado, uma tempestade deixou sete pessoas mortas, a grande maioria em quedas de barreiras. Duas das vítimas morreram soterradas num ônibus, atingido por um deslizamento de terra e pedras na Avenida Niemeyer. Somente após a tragédia a prefeitura criou protocolos para fechar vias suscetíveis a desastres, como a Niemeyer.
Em abril do ano passado, o Rio foi castigado por um novo temporal, que matou dez pessoas. E, mais uma vez, a cidade se mostrou totalmente despreparada — o próprio Crivella admitiu na ocasião que a prefeitura não agiu adequadamente nas medidas de prevenção. Tarde demais.
Segundo reportagem do G1, a prefeitura usou no ano passado apenas um terço da verba prevista para ações de prevenção a enchentes. De R$ 500 milhões, gastou R$ 164 milhões (até 15 de outubro de 2019). Portanto, boa parte dos estragos provocados pelas chuvas do fim de semana deve ser creditado aos erros de gestão e não à população.
É evidente que fenômenos extremos estão cada vez mais frequentes. E alegar que foi uma chuva excepcional não serve de pretexto para se eximir de responsabilidades. Há muito o que fazer para preparar a cidade. Mas culpar a população é apenas um subterfúgio para quem não faz o dever de casa.
Crédito ainda dá resposta fraca aos estímulos do BC – Editorial | Valor Econômico
Posição dos bancos na oferta de recursos e nas taxas praticadas fica aquém da expectativa
Banco Central e os bancos continuam sem falar a mesma língua a respeito do crédito. Apesar de o Banco Central ter anunciado diversas medidas nos últimos meses para aumentar a oferta e baratear o custo do dinheiro para as pessoas físicas, pouco avanço tem sido registrado, comprometendo a esperança de que o consumo das famílias seja um dos motores da economia. A epidemia de coronavírus surge agora como mais um ingrediente que pode frustrar as expectativas, uma vez que pode aumentar a inadimplência caso o desemprego volte a crescer.
Dados do crédito em janeiro mostram alguns poucos avanços, mas também vários recuos. A taxa média do cheque especial despencou para 165,6% ao ano em comparação com os 247,6% de dezembro como resultado da mão forte do BC, que limitou em 8% ao mês o juro cobrado nessa modalidade a pessoas físicas e microempreendedores individuais. A medida entrou em vigor em 6 de janeiro para os novos clientes e valerá a partir de 1º de junho para quem já usa o cheque especial. Informações do BC mostraram que 11 das 34 instituições financeiras que oferecem esse tipo de crédito ainda cobravam juros superiores ao teto de 8% mensais. Por isso, a taxa média mensal do cheque especial ficou em 8,5%, acima do teto fixado pelo BC.
Outro alvo do BC, o rotativo do cartão de crédito, também ficou mais barato, ao recuar de 318,8% ao ano para 316,8% ao ano. Há algum tempo a autoridade monetária teve que obrigar os bancos a oferecerem aos clientes cronicamente dependentes do cartão modalidades de crédito mais baratas. O recuo do cheque especial e do rotativo do cartão contribuíram para que a taxa média de juros cobrada de pessoas físicas nas operações lastreadas em recursos livres, que os bancos podem direcionar a seus critério, caísse de 28,3% ao ano em dezembro de 2019 para 28,1% ao ano em janeiro. Ambas, porém, ainda estão em níveis estratosféricos, difíceis de explicar quando comparadas com a Selic de 4,25% ano.
Nota-se ainda que outras linhas igualmente populares e cercadas de garantias foram elevadas, apesar da queda do juro básico. A taxa média do empréstimo consignado, por exemplo, passou de 20,5% para 21,3% ao ano, onerando igualmente trabalhadores do setor privado e do setor público. O custo do crédito pessoal, não garantido por folha de pagamento, subiu mais ainda, de 94,6% para 103,5% entre dezembro e janeiro. Até o financiamento de veículos, garantido por bens de liquidez geralmente elevada, ficou mais caro, subindo de 19,2% para 19,7% ao ano.
Em consequência, o spread capturado pelo sistema financeiro subiu 0,5 ponto percentual em comparação a dezembro e ficou praticamente estável em 12 meses, no patamar de 18,3% na média, chegando a 23,7% para as pessoas físicas. Em estudo recente sobre o crédito, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) notou que a taxa de captação está sempre abaixo ou, no máximo, é igual à Selic, variando entre 70% e 100%. Quando a Selic estava acima de 10% ao ano, a taxa de aplicação dos bancos ficava entre duas e três vezes o seu valor. Quando a Selic foi reduzida de 14,25% para 6,5%, esse múltiplo passou para quatro e, na recente nova redução de 6,5% para 4,5%, para cinco vezes.
A oferta de crédito também deixou a desejar, embora a própria demanda por recursos seja sazonalmente mais fraca em janeiro em comparação com dezembro. O estoque total recuou 0,4% entre os dois meses, mas cresceu 7% em 12 meses, atingindo R$ 3,5 trilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), houve uma queda na comparação de dezembro para janeiro de 48% para 47,5%. As famílias ficaram com a maior parte dos recursos, R$ 2 trilhões, 0,8% a mais sobre dezembro e 12,2% sobre janeiro de 2019.
Foram inúmeras as medidas do Banco Central para melhorar o crédito, inclusive como parte da agenda BC+, transformada na BC#.
Não houve só imposições como o teto para o cheque especial e a renegociação de operações do rotativo do cartão. Várias medidas representaram a retirada de amarras para o sistema financeiro, como a liberação de R$ 135 bilhões em depósitos compulsórios e a criação de condições para operações com garantias como imóveis e até fundos de previdência do tipo PGBL. Mas a resposta dada até agora pelos bancos na oferta de recursos e nas taxas praticadas fica aquém da esperada.
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