terça-feira, 3 de março de 2020

Bernardo Mello Franco - O deboche de Crivella

- O Globo

Depois de mais uma tragédia no Rio, Marcelo Crivella resolveu inovar. Em vez de reclamar da natureza e do volume das chuvas, o prefeito culpou as vítimas que perderam tudo no temporal.

Em visita a Realengo, o bispo tentou se eximir de responsabilidade pelo cenário de terra arrasada. “A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente”, disse. No domingo, ele já havia sugerido que os cariocas moram em áreas de risco por opção. “As pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo”, afirmou.

Crivella é reincidente em declarações infelizes sobre as chuvas. Já fez piada com a “Balsa Família” e comparou a ciclovia Tim Maia ao Vasco, que “vive caindo”. Por trás do humorista frustrado, esconde-se um gestor que não cumpre suas obrigações. Nos primeiros dois anos de mandato, o prefeito reduziu em 71% os gastos com prevenção a enchentes.

As mudanças climáticas tendem a aumentar a frequência e a intensidade dos temporais. Isso requer mais investimentos em proteção de encostas, dragagem de rios e limpeza de galerias pluviais. Há dois anos, Crivella prometeu espalhar bueiros eletrônicos pela cidade. Não implantou os sensores high tech nem fez melhorou serviços tradicionais, como a coleta de lixo em bairros periféricos.

Autor de estudos sobre o impacto das chuvas na economia do Rio, o professor Carlos Eduardo Young diz que há relação direta entre a ausência de políticas públicas e a extensão das tragédias. “Onde há menos presença do Estado e a população é mais pobre, a chuva intensa tem muito mais chances de produzir desastres”, afirma. Isso explica por que as três mortes do temporal de domingo se concentraram nas zonas Norte e Oeste.

A prefeitura também precisa investir mais em educação ambiental, mas as declarações de Crivella culpando as vítimas da enchente só fazem sentido como deboche. “Morar em áreas de risco não é uma escolha voluntária dos mais pobres”, lembra o professor da UFRJ.

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