- O Estado de S.Paulo
Não há clima, maiorias e lideranças para dar golpes nem articular impeachment
Deveria causar escândalo, mas conseguem no máximo gerar preguiça e cansaço a facilidade e a frequência com que as pessoas fazem duas perguntas perigosas, mas tratadas como corriqueiras, parte da paisagem: Vai ter golpe? Ou vai ter impeachment?
A cada ataque do presidente Jair Bolsonaro, do seu entorno e da sua tropa da internet ao Congresso, a governadores, à mídia, a jornalistas (geralmente mulheres...), a presidentes estrangeiros, a ambientalistas, a ONGs, a pesquisadores cresce a percepção de que há uma escalada autoritária, um teste de limites.
Se fosse apenas questão de estilo, já seria péssimo, mas todos esses ataques vêm num contexto em que Bolsonaro enaltece ditadores sanguinários, seu filho admite a volta do AI-5 (toc toc toc) e já disse, sem a menor cerimônia, que bastaria “um cabo e um soldado” para fechar o Supremo.
Assim, quando Bolsonaro transforma o Planalto num QG, o general Augusto Heleno xinga os parlamentares e fala em “povo na rua” e o governo deixa de condenar com a devida veemência o motim de PMs no Ceará... a lista começa a ficar grande e preocupante.
Só faltava o presidente da República convocar pelo WhatsApp uma manifestação que tem entre os objetivos protestar contra o Congresso e o Supremo. Divulgados os vídeos pela colega Vera Magalhães, o que fez o presidente? Mentiu! Mentiu ao dizer que se tratava de peças de 2015. Com imagens da facada? Foi em 2018. Com o brasão da Presidência? A posse foi em 2019.
Esse roteiro sugere um teste, um avança e recua, de olho nas reações das Forças Armadas e das redes sociais. E é aí que surge um fato novo depois que o Planalto aumentou o tom contra o Congresso: a maioria militar silenciosa, particularmente do Exército, começou a demonstrar desconforto e a dizer algo assim: “Aí, não!”
Assim, mesmo que houvesse algum projeto ou sonho golpista, fica-se sabendo que não há, em absoluto, unanimidade na área militar. Se há algo próximo a unanimidade é em sentido contrário: ninguém quer ouvir falar em golpes. Marinha e Aeronáutica estavam e continuam mudas e o Exército começa a perceber que tem muito mais a perder do que a ganhar, inclusive historicamente, ao se confundir com arroubos autoritários tão fora de tempo e de propósito.
Mais do que isso, porém, nunca é demais repetir o que está registrado em várias oportunidades aqui neste mesmo espaço: o Brasil não é uma Venezuela. Tem instituições, mídia, opinião pública, enorme capacidade de reação, ou, antes, de dissuasão de projetos tresloucados. Há uma rede de resistência.
Quanto a impeachment, não custa lembrar que isso não é como aspirina, que se usa a qualquer hora, para qualquer eventualidade. O Brasil passou por dois afastamentos de presidentes no curto espaço de tempo desde a redemocratização e não se ouve absolutamente ninguém com um mínimo de liderança e de responsabilidade admitindo e muito menos discutindo essa hipótese.
Aliás, o presidente chamou atenção na live de quinta-feira também ao, do nada, em bom e alto som, anunciar: “Não vou renunciar ao meu mandato!”. Quem disse que iria? Ninguém. Trata-se de uma frase que oscila entre o político e o psicológico, expondo uma característica de Bolsonaro: a mania de perseguição. Ao ver inimigos por toda parte, ele se antecipa e parte para o ataque antes de saber se seria atacado.
E fica falando sozinho. Nem o seu maior adversário aventa a hipótese de renúncia, ou de impeachment, assim como boa parte dos seus apoiadores militares não quer nem ouvir falar em golpe. A saída é outra, é o presidente se comportar como... presidente. E focar no essencial, a economia, a estabilidade, o País.
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