sexta-feira, 10 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• O radicalismo em xeque – Editorial | Veja

Se há um ensinamento que o coronavírus deixará para os políticos é este: a perda de vidas humanas não suporta irresponsabilidades nem descaso com a ciência

Entre os incontáveis — e muitas vezes devastadores — impactos da pandemia de Covid-19, o que se faz notar no âmbito da política é, paradoxalmente, positivo. Trata-se do abalo sísmico que o novo coronavírus vem provocando nos alicerces do radicalismo. O termo, que designa um movimento de ideias cujas raízes históricas se encontram na Europa da virada do século XVIII para o XIX, embute em suas características o descarte de propostas contemporizadoras na condução dos variados aspectos da vida social. A repulsa à negociação aproxima perigosamente o radicalismo do extremismo político que, em diversas oportunidades, provocou algumas das grandes tragédias da história da humanidade (nazismo, fascismo, comunismo…).

Radical, e frequentemente extremista, como se sabe, é o chamado “gabinete do ódio”, que assombra o governo de Jair Bolsonaro, tendo no presidente mesmo seu maior fiador. Com o objetivo de alimentar o confronto, e não o entendimento — marco de sua trajetória, não é de hoje —, o chefe do Executivo cria, de modo reiterado, obstáculos para o próprio governo, incluindo seus colaboradores mais competentes e equilibrados. E, para tanto, Bolsonaro não hesita em dar vez e voz a toda sorte de impropriedades (muitas delas baseadas em informações 100% falsas ou apenas parcialmente verdadeiras).

Não tem sido outra sua conduta diante do surto epidêmico que varre o planeta e que chegou ao Brasil nos derradeiros dias de fevereiro. Contra tudo e todos — exceto seus mais radicais seguidores, do mundo real ou virtual —, o presidente fez questão de desdenhar da letalidade do novo coronavírus, das quarentenas para tentar reduzir a velocidade de propagação da doença, dos cuidados que ainda devem ser tomados em relação à cloroquina no tratamento da Covid-19. Também atacou governadores, a imprensa, o ministro da Saúde, a OMS. Quando recuou, ele o fez de modo acanhado ou recorrendo ao apelo religioso. No domingo 5, por exemplo, Bolsonaro participou de uma roda de oração pelo fim da pandemia em frente ao Alvorada e, de joelhos, ouviu com fervor estas palavras do sacerdote: “Em nome de Jesus, eu quero declarar que no Brasil não haverá mais morte pelo coronavírus”. Naquele dia, o país contabilizava 486 vidas perdidas. No começo da noite da quarta-feira 8, já eram 800.

Assim, uma a uma as posições defendidas pelo chefe do Executivo vão sendo derrubadas pela Covid-19, uma inimiga que Bolsonaro não pode acusar de falsear a verdade. Não é de estranhar que o presidente apareça hoje abaixo dos governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) — favoráveis, por exemplo, ao recurso do distanciamento social — na avaliação de desempenho no combate à pandemia. Em pesquisa realizada pelo Datafolha, Bolsonaro surge com 33% de aprovação, enquanto Doria tem 51% e Witzel, 55%. Seu ministro da Saúde, que vem inteligentemente pautando suas decisões fundamentado em fatos, está com 76%.

Evidentemente, o preço que se está pagando para que o radicalismo seja levado às cordas é alto, altíssimo — a morte de tantas pessoas. Mas se há um ensinamento que o novo coronavírus deixará para os políticos é este: a perda de vidas humanas não suporta irresponsabilidades nem descaso com a ciência — tampouco com a verdade. Ainda é cedo para sabermos se essa lição vai finalmente interromper a dinâmica do ódio, da manipulação da verdade e do obscurantismo que dominou a cena política nos últimos anos. Mas, como mostra a reportagem que começa na página 28, os primeiros sinais evidenciam que talvez esse seja um dos poucos legados favoráveis destes dias tão sombrios.

• Tolhido pelo STF – Editorial | Folha de S. Paulo

Liminar esvazia ainda mais poder de Bolsonaro contra políticas antipandemia

Obsessões com a potência masculina tornaram-se lugar-comum na psicanálise. A do presidente Jair Bolsonaro se fixa no objeto caneta, a pequena haste capaz, segundo seus manifestos recorrentes, de num rabisco materializar os desejos do chefe de Estado.

É uma lástima para ele —e ótima notícia para o Brasil— que a tinta de sua esferográfica esteja ficando escassa na crise. Ameaçou usá-la para demitir o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, mas foi impedido por uma sensata reação palaciana.

Cogitou deslanchar uma campanha publicitária para incentivar a circulação de pessoas em meio à epidemia, mas foi bloqueado pelo Supremo Tribunal Federal.

Decretou a inclusão de igrejas em listas de estabelecimentos cuja operação não pode ser restringida em nome do combate à Covid-19, mas seu ato tem sido questionado em circunscrições locais.

Sonhou em voz alta com comandos que pudessem atropelar ordenanças estaduais e municipais de combate à emergência sanitária, mas foi advertido, também à luz do dia, por autoridades legislativas e judiciárias de que os sortilégios terão vida curta.

Na quarta-feira (8), o que era uma advertência se tornou decisão cautelar da corte constitucional. A Ordem dos Advogados do Brasil obteve do ministro Alexandre de Moraes o reconhecimento liminar de que o Executivo federal não pode desfazer unilateralmente as determinações municipais e estaduais de limitar atividades.

Com essa torrente de vetos impostos ao seu poder, o presidente da República veio sendo reduzido a uma espécie de crítico teimoso e falastrão do que todas as outras autoridades, inclusive no seu governo, estão fazendo. Quanto mais ataca e ameaça, menos pode.

A situação, surreal, escapa à lógica política que prevalece em quase todos os países democráticos, onde governantes ganham popularidade ao alinhar-se aos protocolos que vão sendo cristalizados pela comunidade científica e sanitária.

Foi essa a maneira, no entanto, que a institucionalidade brasileira encontrou de atenuar a capacidade destrutiva do presidente Jair Bolsonaro em meio a uma crise em que estão em jogo a vida e a renda de milhões de cidadãos.

A fala em cadeia nacional no dia 8 mostra que a ignorância presidencial não ficou inofensiva. Bolsonaro, fantasiado de curandeiro, direciona a máquina do governo federal para apostar em um dos vários fármacos em fase de testes contra a doença —numa politização descabida do uso da cloroquina.

Trata-se de imitação tosca do que faz nos Estados Unidos seu congênere e modelo Donald Trump, que ao menos já assumiu atitude mais colaborativa contra a pandemia.

• Teste de inteligência – Editorial | Folha de S. Paulo

Milhões de exames de vírus são necessários; governo deve compilar base de dados

Enquanto o número de mortos pela Covid-19 se aproxima do primeiro milhar, os três níveis de governo falham no mais básico —a produção de números confiáveis sobre a disseminação da epidemia.

Sabe-se apenas que a subnotificação de infectados no Brasil é galopante. Sem conhecer a real dimensão do fenômeno, autoridades não podem planejar de modo inteligente a alocação de recursos para sustar a propagação exponencial da doença e a sobrecarga do sistema hospitalar que se avizinha.

O retrato mais fiel da situação só será obtido com a aplicação maciça de testes de diagnóstico, como ensina o sucesso relativo de países como Coreia do Sul e Alemanha. A deficiência brasileira fica escancarada quando se constata que se desconhece até quantos exames já foram aplicados por aqui.

A cegueira dos administradores da crise evidenciou-se em reportagem da Folha. O Ministério da Saúde (MS) confirmou ao jornal não ter um levantamento de quantos testes foram realizados no país.

Segundo as informações fornecidas pela pasta comandada pelo médico e ex-deputado federal Henrique Mandetta (DEM-MS), o governo federal distribuiu 54 mil unidades de exames moleculares conhecidos como PCR —os mais precisos, porém demorados.

Além disso, foram entregues outros 500 mil testes sorológicos, que dão resultados em questão de minutos, mas são mais propensos a registrar falsos negativos.

Estados e municípios, por sua vez, têm os próprios estoques de testes e resultados, positivos ou negativos. Tudo indica que os dados gerados dessa maneira descentralizada só chegam ao ministério quando resultam na confirmação de casos e óbitos por Covid-19.

Os 554 mil exames distribuídos por Brasília representam só um terço do que seria necessário —1,7 milhão de pessoas— para o país alcançar um nível coreano de testagem em massa (0,8% da população).

Para que os resultados obtidos tenham utilidade maior que a da mera contabilidade lúgubre de infecções e mortes, urge pôr fim à atual descoordenação.

Outros 4,5 milhões dos 5 milhões de testes sorológicos doados pela mineradora Vale devem chegar ao longo deste mês. Compete ao governo de Jair Bolsonaro garantir que o futuro acervo de estatísticas sirva para aumentar a inteligência das políticas de controle do novo coronavírus —pois de desinteligência já há fartura.

  • Ninguém fica para trás – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde que, no início de fevereiro, o Planalto superou um primeiro momento de hesitação e enviou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para repatriar cerca de 70 brasileiros confinados em Wuhan, na China, o foco de origem do coronavírus, o Brasil tem cumprido com rigor seu dever patriótico de resgatar os nacionais em outros países afetados pela pandemia.

A repatriação implica uma operação complexa que envolve os Ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Saúde. Por medida provisória, o Itamaraty recebeu cerca de R$ 60 milhões para este fim. Segundo a pasta, a grande maioria de brasileiros em busca de repatriação é de turistas com dificuldades por causa das medidas de quarentena dos países em que se encontram e dos cancelamentos dos voos comerciais. O Itamaraty está cadastrando aqueles que não têm condições financeiras ou estão em países com restrições mais severas, através dos canais oficiais das embaixadas e consulados e da Agência Nacional de Aviação Civil. O Grupo Consular de Crise conta ainda com a colaboração do Ministério do Turismo e da Embratur para viabilizar embarques, incluir brasileiros em voos de repatriação de outros países, liberar vistos emergenciais e organizar deslocamentos em regiões com restrições de trânsito.

“A prioridade continua a ser dada para que os brasileiros possam ser acomodados em voos comerciais”, declarou em nota o Itamaraty. Na ausência desses voos ou em casos de fechamento de espaço aéreo, “estamos vendo maneiras de pagar voos fretados”, disse o chanceler Ernesto Araújo. “Tentaremos, claro, negociar pelo valor mais em conta possível com as companhias aéreas para trazer de volta os brasileiros. Será a única possibilidade em muitos casos.” Em última instância, pode ser necessário mobilizar aeronaves da FAB.

Nas últimas semanas o número de brasileiros repatriados chegou a 11,5 mil. Cerca de 5 mil ainda estão retidos em países diversos. O maior contingente está em Portugal, de onde já foram resgatados mais de 6 mil nacionais. Cerca de 1.500 ainda aguardam a repatriação. Apesar da quantidade, a situação é menos crítica do que em países onde a circulação é rigorosamente proibida.

O Equador, por exemplo, adotou medidas restritivas de circulação de pessoas e fechou suas fronteiras. Na semana passada, através de um voo fretado da Gol, foram resgatados 160 brasileiros retidos no país. No Peru, mais de mil brasileiros que estavam em Cusco e Lima foram repatriados em voos fretados, além de dois aviões da FAB, mas aqueles em cidades mais distantes ainda enfrentam dificuldades. Como mostrou reportagem do Estado, alguns brasileiros em Arequipa e mesmo em Cusco foram impedidos de sair dos hotéis em que estão em quarentena para embarcar nos voos oferecidos pela embaixada.

Em Cuba, pelo menos 25 turistas brasileiros correm o risco de ser multados ou presos caso deixem a sua hospedagem e, além disso, encontram dificuldade em programar sua saída por causa da escassez da rede digital. Na Índia, onde o governo nacional decretou um rígido confinamento, quase 180 turistas distribuídos em 27 cidades buscam resgate. Na Tailândia, cerca de 200 brasileiros aguardam repatriação.

Há casos especialmente complicados, como o dos quatro brasileiros que embarcaram em um cruzeiro em Buenos Aires com destino a San Antonio, no Chile. Com mais de 1.800 pessoas a bordo, ao menos 2 estão infectadas com a covid-19 e outras 4 morreram. Dois dos brasileiros foram transferidos junto com os demais passageiros sem sintomas para outra embarcação. Agora, os dois navios seguem para Fort Lauderdale, na Flórida, mas as autoridades locais já se manifestaram contrárias ao desembarque.

São em momentos de crise como esta que a palavra “pátria” recobra a sua conotação mais familiar e primitiva de “casa paterna”. Em meio ao pânico disseminado por todo o planeta, a repatriação é um processo delicado e complexo. Felizmente, a Nação brasileira está combinando diligência e agilidade para trazer seus filhos em segurança de volta ao lar.

• Voluntarismos fora da lei – Editorial | O Estado de S. Paulo

Sob a justificativa de colaborar para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, juízes vêm alterando o uso de recursos públicos, o que foge completamente de sua alçada. A contribuição do Poder Judiciário neste momento tão delicado do País consiste em aplicar a lei. Determinar a destinação de dinheiro público é competência do Legislativo e do Executivo. Além de adentrar no campo do arbítrio, voluntarismos fora da lei produzem desorganização e ineficiência no Estado. Não é assim que o País vencerá o enorme desafio da covid-19.

Na terça-feira passada, o juiz da 4.ª Vara Federal Cível de Brasília Itagiba Catta Preta Neto determinou o bloqueio dos recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, colocando-os à disposição do governo federal para uso “em favor de campanhas para o combate à pandemia ou amenizar suas consequências econômicas”. Os recursos somam quase R$ 3 bilhões.

Não deveria existir o Fundo Partidário e tampouco o Fundo Eleitoral. Sendo entidades privadas, os partidos devem ser sustentados com recursos privados, oriundos de seus apoiadores. Mas o fato é que a lei criou tal deformidade – destinando dinheiro público a partidos políticos – e um juiz não pode dispor sobre a utilização desses recursos, o que já foi feito pelo Congresso, alegando que dos “sacrifícios que se exigem de toda a Nação não podem ser poupados apenas alguns, justamente os mais poderosos, que controlam, inclusive, o orçamento da União”.

Em recurso interposto pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra a decisão da 4.ª Vara Federal Cível de Brasília, o presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região, Carlos Moreira Alves, suspendeu no dia seguinte a liminar, por entender, entre outras razões, que o bloqueio pela Justiça dos fundos “interfere em atos de gestão e de execução do orçamento público, da mesma forma como interfere no exercício de competências constitucionalmente outorgadas a autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo”.

Outra frequente interferência do Poder Judiciário em seara que não lhe compete refere-se a recursos devolvidos aos cofres públicos por meio de acordos judiciais com empresas e delatores. Segundo o Estado apurou, a Justiça já destinou à área da saúde cerca de R$ 2,5 bilhões relacionados a ilícitos. Além de não ser atribuição do Judiciário realizar a gestão desses valores, muitos desses casos não envolvem recursos públicos, e sim dinheiro privado que, mesmo depois da descoberta da manobra ilícita, não é restituído ao verdadeiro dono.

No mês passado, por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que parte dos recursos oriundos do acordo da Petrobrás com autoridades dos EUA, cerca de R$ 1,6 bilhão, fosse aplicada no combate à covid-19. Trata-se do terceiro destino dado a tais valores. Originalmente, os recursos seriam usados para constituir um fundo anticorrupção, a ser gerido pelo Ministério Público. Diante do escândalo da medida, o Supremo destinou os valores para a educação e a proteção da Amazônia. Agora, parte do montante vai para o combate da covid-19.

É preciso advertir que esses “recursos recuperados pela Lava Jato”, aos quais a Justiça dá a cada momento um determinado destino, não são dinheiro público. No caso, são valores subtraídos da Petrobrás, uma sociedade de economia mista. Seus recursos são, portanto, de seus acionistas. A União é a maior acionista, mas há outros milhares de acionistas privados, cerca de 400 mil, que detêm grande parcela do capital acionário.

Há também decisões em que o Judiciário atua como se fosse o Executivo. Na Paraíba, a Justiça decidiu que R$ 3,8 milhões recuperados na Operação Calvário fossem usados para comprar 15 respiradores pulmonares. Em Mato Grosso, decisão judicial destinou R$ 566 mil recuperados na Operação Ararath ao Hospital Universitário Júlio Muller.

Por mais nobre que seja a finalidade, não há bom uso do dinheiro público fora da lei. O estado de calamidade pública não amplia nenhuma competência da Justiça. Determinar o destino de recurso público continua sendo atribuição do agente político eleito, como dispõe o regime democrático.

• Inflação sem surto – Editorial | O Estado de S. Paulo

Pelo menos a inflação ficou bem comportada em março, apesar de um repique nos preços dos alimentos, o item de maior peso para as famílias de baixa renda. Só a partir do mês passado o dia a dia dos brasileiros foi de fato marcado pela pandemia. Com o susto inicial e a perspectiva de isolamento social, houve alguma corrida aos supermercados e às farmácias. Uns poucos produtos sumiram, caso do álcool em gel, e houve remarcações. Mas o balanço final desmentiu os pessimistas. A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desacelerou de 0,25% em fevereiro para 0,07% em março. Foi a menor taxa para esse mês desde a implantação do Plano Real em 1994. A alta acumulada ficou em 0,53% no ano e em 3,30% em 12 meses.

O desemprego elevado, a expectativa de perda de renda e as incertezas quanto à duração e aos efeitos da pandemia aconselham cautela aos consumidores. Produtores e comerciantes continuam sem conseguir repassar aumentos de custos aos compradores finais. A alta do dólar, uma das principais notícias no dia a dia do mundo financeiro, pressionou os preços por atacado, mas sem efeito sensível no custo da cesta de consumo.

De toda forma, a alta dos preços de alimentação e bebidas foi o principal componente da inflação de março. A variação desse item passou de 0,11% em fevereiro para 1,13% no mês seguinte, contribuindo com 0,22 ponto para a formação do resultado geral. Esse impacto foi mais que compensado pela variação negativa dos preços de artigos de residência, transportes e despesas pessoais. Graças a isso, a variação geral do IPCA ficou em 0,07%.

Sobrou, no entanto, um desconforto adicional para os mais pobres. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) aumentou 0,18%, puxado pela alta de 1,12% do custo da alimentação. O quadro, aqui, é mais delicado, porque esse indicador é baseado na cesta de consumo das famílias com renda mensal de 1 a 5 salários mínimos (no caso do IPCA, entre 1 e 40). O custo da alimentação tem mais peso no orçamento das famílias de renda mais baixa e, portanto, maior influência na sua qualidade de vida. Além disso, essas pessoas têm quase nenhuma flexibilidade para recompor os gastos diante de uma variação de preços.

Parte importante das medidas anunciadas nas últimas semanas foi concebida para proteger os trabalhadores – formais e informais – de renda baixa. A ação poderia ter sido mais pronta. A equipe econômica demorou a indicar os procedimentos e datas para inscrição no programa e para acesso à ajuda mensal de R$ 600.

Além disso, parte dos beneficiários nunca teve conta bancária. Em princípio, essas pessoas também poderão receber o dinheiro, mas em condições mais complicadas. Sobra, enfim, uma parcela de analfabetos e semianalfabetos, com dificuldades muito maiores para entrar no processo. As pessoas mais necessitadas estão, portanto, entre aquelas menos preparadas para acessar o benefício e mesmo para ser localizadas pelo governo. Mas o movimento oficial de ajuda, enfim, começou, e os mais pobres entraram na lista de prioridades oficiais.

A condição dos preços poderia ter piorado, em abril, se os mercados tivessem levado a sério o vídeo fake sobre desabastecimento divulgado pelo presidente da República no dia 1.º. Mas o efeito foi nulo, até porque a ministra da Agricultura cuidou de esclarecer o assunto. Por enquanto, o quadro parece continuar sem grande mudança.

Com inflação moderada e bem abaixo da meta oficial de 4% ao ano, o Banco Central (BC) continua com ampla liberdade para manejar os juros e para estimular, de várias formas, o aumento do crédito. Alguns analistas falam mais diretamente de espaço para uma folgada expansão monetária. O risco de inflação, afirmam, é muito pequeno por causa da baixa demanda. Qualquer auxílio às empresas e às famílias, agora, dificilmente resultará, segundo argumentam, em algo mais que a mera sobrevivência das firmas e um mínimo indispensável de consumo. Não está claro, no entanto, se o BC recorrerá a novo corte de juros

• Demissões que poderiam ser evitadas – Editorial | O Globo

Liminar concedida no STF contra MP 936 cria insegurança jurídica que estimula o desemprego

A crise do coronavírus está expondo não apenas a dificuldade que o cipoal de leis e o excesso de normas causam para a administração pública em momentos críticos, mas também os malefícios da cultura arraigada em instituições que entendem ser o poder intervencionista do Estado o único instrumento de defesa dos mais fracos. Nos dois casos, a prejudicada é a população menos favorecida, supostamente aquela protegida por bem intencionados legisladores e agentes públicos diligentes e sempre atentos na defesa do povo.

A grande operação conduzida pela Caixa Econômica para que milhões de trabalhadores informais, parte deles inexistente nos arquivos governamentais, se inscrevam na CEF por meio de celular, computador ou telefone, para receber três parcelas de R$ 600, tem mostrado o que acontece quando o Estado brasileiro desce do pedestal e vai às ruas para ajudar o pobre. As dificuldades são gigantescas, porque soluções mais simples para essas pessoas receberem o dinheiro não podem ser aplicadas, por contrariarem algum dispositivo de uma das milhares de leis existentes, incluindo uma Constituição detalhista.

Leis são feitas, por suposto, com boas intenções. Um exemplo desta cultura acaba de ser dado pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, ao conceder liminar a pedido do partido Rede contra a Medida Provisória 936, baixada no conjunto de ações para conter os efeitos devastadores da crise do coronavírus na economia. Em um momento de grande emergência, tanto que o Executivo pediu e o Congresso aprovou a decretação de estado de calamidade, a MP, de 1 de abril, estabeleceu que empregados e empregadores podem fazer acordos diretos para a manutenção do emprego mediante o corte do salário e da redução proporcional da jornada de trabalho.

Este espaço aberto para a manutenção de empregos foi fechado pela decisão monocrática de Lewandowski, que condiciona o entendimento entre as partes à consulta ao sindicato do funcionário. Perde-se muito tempo no início de uma crise de dimensões históricas, que deverá ampliar bastante o contingente de 12,3 milhões de desempregados, conforme pesquisa do IBGE referente ao trimestre de dezembro a fevereiro.

Sem a liminar, com a MP em vigor pleno, já haveria riscos de uma elevação preocupante do desemprego. Agora, criada esta insegurança jurídica, empresas já devem ter começado a cortar os quadros, pois a redução do ritmo de funcionamento da economia começou há vários dias. Confirmado o julgamento pelo plenário na quinta-feira da semana que vem, 16 — poderia ter sido antecipado —, terá passado meio mês da edição da MP, período em que se consolidaram estimativas de recessão no mundo que lembram os desastres econômicos ocorridos na Grande Depressão de 1929/30. Este é o pano de fundo dos dias atuais para todos, sem exceção de legisladores e juízes.

• Governos precisam resolver as aglomerações nos transportes – Editorial | O Globo

No Rio, em São Paulo e Belo Horizonte, terminais e ônibus lotados levam risco a usuários

Já se sabe que o isolamento social é uma das maiores armas para impedir, ou ao menos frear, a propagação do novo coronavírus, uma vez que ainda não há remédio ou vacina para a Covid-19. Mas trabalhadores de áreas essenciais, como saúde, segurança, energia, telecomunicações etc., que precisam se deslocar diariamente, também devem seguir normas rígidas para não se contaminar ou disseminar a doença. Evidentemente, isso não depende apenas deles, mas de governadores, prefeitos e, principalmente, das concessionárias de transporte.

Desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19, em São Paulo, no fim de fevereiro, governadores e prefeitos começaram a adotar uma série de medidas para restringir aglomerações, já que elas são um ambiente fértil para a proliferação do vírus. Creches, escolas e universidades foram fechadas. Boa parte do comércio também teve de baixar as portas. Campeonatos esportivos foram interrompidos. E até mesmo restaurantes passaram a funcionar com restrições, voltados mais para o serviço de entregas, de modo a não prejudicar a população. Mas os transportes, também alvo de limitações, continuaram como ponto nevrálgico na contenção da epidemia.

No Rio, o prefeito Marcelo Crivella determinou que os ônibus só podem transportar passageiros sentados, medida adotada também em outras cidades do país. Mas, por vezes, a força de um decreto não é suficiente para mudar, de uma hora para outra, a realidade do transporte nas regiões metropolitanas, em que a imagem de passageiros espremidos em ônibus, trens e metrô é frequentemente associada a latas de sardinha. De fato, houve uma redução drástica no número de usuários, mas, nos horários de pico, as frotas têm se revelado insuficientes para suprir a demanda. O que gera aglomeração dentro e fora dos veículos.

Como mostrou o “Jornal Nacional”, da Rede Globo, na terça-feira, o problema acontece em São Paulo — onde o número de passageiros cresceu 7% esta semana—, no Rio e em Belo Horizonte, por exemplo. Os ônibus continuam transportando pessoas em pé e, nos terminais, é comum usuários ignorarem a distância de dois metros entre um e outro.

Escalonar os turnos de diferentes categorias para evitar acúmulo de passageiros num mesmo horário pode ser uma saída, mas, no Rio, não tem surtido efeito. Portanto, o poder público precisa manter o isolamento de quem pode ficar em casa e fiscalizar as concessionárias para impedir que reduzam demais as frotas. Caso contrário, as aglomerações continuarão, deixando caminho livre para propagação do vírus.

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