- O Globo
Ministério da Economia e Câmara dos Deputados se desentendem até na matemática, em ambiente político envenenado
A guerra é política, mas as armas lançadas foram números. Uma divergência de mais de R$ 80 bilhões. A Câmara dos Deputados e o Ministério da Economia discordam sobre qual é o custo do programa de ajuda aos estados e municípios que está para ser votado na segunda-feira. O governo chama de “pauta bomba”, Rodrigo Maia nega e lembra, com razão, sua adesão à pauta fiscalista. Ele acha que há objetivo político de atacar o centro, enfraquecendo os governadores do Sudeste, principalmente.
O ambiente está envenenado faz tempo. A crise do coronavírus não permitiu a superação. Nem poderia, porque o próprio presidente Jair Bolsonaro passa o tempo todo atirando contra os governadores. Nunca soube liderar a federação. Prefere chefiar uma facção que tem cada vez menos apoio.
A origem do debate é o que fazer com o Plano Mansueto. Ele foi pensado como um projeto de ajuste dos estados com maior desequilíbrio fiscal, mas agora a situação é totalmente outra. Ele não inclui todos os estados, apenas os que estavam em pior situação, e traz uma lógica do ajuste fiscal, mas este é um momento de expansão de gastos para salvar vidas. O projeto deveria já ter sido votado há muito tempo e ficou parado no Congresso. Agora o momento é de criar estradas para a ida de recursos federais para as unidades da federação.
O projeto do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) propõe que sejam suspensas as dívidas dos entes federados com a Caixa e o BNDES. Isso custa R$ 9 bilhões. Propõe que o governo federal recomponha três meses de ICMS, que está caindo em torno de 30%. O custo seria de R$ 36 bi. Que a União compense também as perdas do ISS, que daria R$ 5 bi. Além disso, e aí veio a confusão, permite que estados elevem seu endividamento em até 8% da Receita Corrente Líquida, com aval do Tesouro. O custo para o Tesouro seria de R$ 50 bilhões caso todos dessem calote na dívida. Tudo somado daria R$ 100 bi, nessa hipótese extrema dos empréstimos não serem pagos.
O Ministério da Economia acha que já concedeu bastante quando propôs a recomposição das perdas do Fundo de Participação de Estados e o dos Municípios. O problema é que o FPE e o FPM beneficiam principalmente estados mais pobres e cidades menores. Portanto, para São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul o fundo é pouco importante. Receita fundamental é o ICMS. De fato, sem uma ajuda na perda de receita do ICMS e do ISS não se socorre os maiores estados e as maiores cidades, justamente onde estão acontecendo o maior número de casos da Covid-19.
O governo federal em sua conta sobre esse projeto registra o custo da suspensão do pagamento da dívida dos estados e municípios ao Tesouro, mas quem tem determinado essa interrupção de pagamento dos juros é uma liminar do ministro Alexandre de Moraes. E não tinha mesmo cabimento, os estados e as cidades, com seus cofres desidratados, arranjarem dinheiro para pagar a dívida. Como os maiores estados já conseguiram, é óbvio que todos terão. A guerra de números teve até a divulgação de uma tabela atribuída ao Ministério da Economia com um erro de conta.
O governo federal tem sim que ajudar os estados e municípios que veem minguar seus cofres em momento de elevação de gastos para enfrentar a pandemia. Os impostos são centralizados, a União é a única que não precisa pedir licença para se endividar e pode imprimir moeda. Logo, é o governo central que faz o papel principal. Não é favor da administração Bolsonaro. O dinheiro é do contribuinte e a dívida é contraída em nosso nome.
Mas é preciso evitar o contrabando para o projeto de medidas oportunistas e é fundamental saber a hora de retirar os benefícios. Essa foi a lição de 2008, como já escrevi aqui. O Plano de Sustentação de Investimento, uma das ferramentas para enfrentar a crise de 2008, custou R$ 40 bilhões no primeiro ano, e R$ 400 bilhões nos anos seguintes quando não era mais necessário.
Agora é a hora de salvar vidas, ampliar a rede de proteção social e mitigar a queda econômica. Depois, será preciso retomar os parâmetros fiscais. O risco é que sejam incluídas nos projetos emergenciais permissões que durem além da crise. Esse é o coração do debate econômico. Mas como o presidente exacerbou o conflito federativo no meio da pandemia, tudo vira um embate político.
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