- O Globo
Militares tentam retomar o papel moderador de garantidores da democracia que se esperava que assumissem desde o início
Mesmo disfarçados de civis, os militares que estão no governo não sabem enfrentar o jogo bruto da política, e se perdem em assertivas retóricas a favor da democracia enquanto os operadores políticos levam à frente ações antidemocráticas que não são coibidas pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ontem foi o dia para justificarem suas presenças no entorno do presidente, em ações políticas positivas em direção ao diálogo. A reunião com os governadores foi cuidadosamente montada para que desse uma sinalização de armistício na relação entre os Poderes da República.
Os ministros militares Braga Netto, chefe do Gabinete Civil, e Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, estiveram na Câmara dias antes conversando com o presidente Rodrigo Maia, e contataram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para garantir um ambiente possível de entendimento.
O general Ramos, o único ainda da ativa na assessoria do presidente Bolsonaro, telefonou pessoalmente para os governadores, só não falou com o de São Paulo, João Doria, que foi procurado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Desarmados os espíritos, inclusive o de Bolsonaro, ocorreu o que está sendo classificado pelo Palácio do Planalto como “um encontro histórico”.
Ontem também o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, garantiu em uma palestra que “(...) Não passa [pela cabeça] ditadura, intervenções, isso são provocações feitas por alguns indivíduos que não têm coragem de dizer quais são suas ideologias, que ficam provocando os militares para ver se nós vamos reagir.”
No domingo passado, a manifestação bolsonarista na Praça dos Três Poderes não teve faixas a favor de intervenções militares e contra o Supremo e o Congresso em frente ao Palácio do Planalto, fato que foi destacado pelo próprio Bolsonaro em suas redes sociais.
Mas as faixas estavam lá, só que guardadas por orientação da assessoria presidencial, em mais uma tentativa de dissociar os bolsonaristas radicalizados das manifestações políticas que podem ser frequentadas pelos assessores militares sem manchar a farda.
Também ontem o nome do general Braga Netto foi envolvido em uma conspiração que ameaçava de morte juízes, políticos e procuradores com base no Distrito Federal, em nome de um “Comando da Intervenção”, que anunciava que o general seria o comandante de uma suposta intervenção militar.
Ele renegou o uso de seu nome na trama, e a Polícia Federal entrou em ação para prender os conspiradores. Não apenas o espírito de hierarquia faz com que esses militares prossigam no apoio ao governo, apesar de tantos desmandos já cometidos.
Há um insuperável espírito de corpo que os une, e a tentativa honesta de ajudar o país, ainda mais em momento de calamidade sanitária. O traquejo político que lhes falta, porém, sobra em Bolsonaro, político há mais de 30 anos, e isso é razão de admiração entre os seus, mas também armadilha que pode levar a corporação a assumir os desvios de conduta do presidente e seu grupo político radical.
Num desses domingos de manifestação, Bolsonaro declarou que os militares o apoiavam, diante de faixas com dizeres antidemocráticos; em outro, foi a um ato em frente ao Quartel-General do Exército. O caso do general Pazuello no Ministério da Saúde é exemplar.
Há uma reação à sua indicação oficial para o cargo, pois consideram que o Exército passaria a ser responsável pela pandemia, nos bons momentos, que são poucos, ou nos ruins. Bolsonaro, então, resolveu deixá-lo como interino, mas com ordens de portar-se como o titular. Tanto que Pazuello escolheu até mesmo o número dois do ministério, que era o seu lugar na gestão do ministro Nelson Teich. Um drible político que seus assessores não puderam impedir.
O general Augusto Heleno, nessa mesma palestra em que negou a possibilidade de golpe militar, disse que o governo não precisava de apoio da mídia tradicional porque tinha suas redes sociais. Mas a radicalização política vem destas mesmas redes, que não têm os freios democráticos impostos pela convivência civilizada.
Os militares tentam retomar nos dias recentes o papel moderador de garantidores da democracia que se esperava que assumissem desde o início do governo, mas para tanto precisarão se desvencilhar de armadilhas que os colocam, aos olhos da opinião pública, como avalistas de possíveis golpes.
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