- O Globo
Governadores pediram o que a equipe econômica não quer que o presidente conceda, e o isolamento social ficou fora da pauta
O governo do Rio, em 2017, pegou um empréstimo com o BNP Paribas com o compromisso de privatizar a Cedae e quitar a dívida. Vence em dezembro. Se o governo federal não vetar a suspensão do pagamento das dívidas bancárias dos estados, o Rio poderá não pagar esse débito, e o Tesouro ficará impedido de executar as garantias. Esse foi um exemplo que ouvi no Ministério da Economia para explicar por que eles recomendaram o veto no ponto em que os governadores pediram tanto para não vetar. A reunião foi harmoniosa, mas as diferenças persistem.
Os governadores fizeram uma reunião prévia para discutir os detalhes. Foram escolhidos a dedo para falar os governadores do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, do PSDB, e do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB. João Dória, de São Paulo, com quem houve a briga da última reunião, só entrou para referendar. Mas falou pouco, sua transmissão o prejudicou. Enquanto ele não conseguia conexão, o governador gaúcho, Eduardo Leite, entregou um recado: rapidez para regulamentar o acordo da lei Kandir. E isso ele deve conseguir.
Os governadores deram apoio ao veto no reajuste do funcionalismo. Na equipe econômica se dizia desde segunda-feira que o presidente Jair Bolsonaro não queria o ônus sozinho de contrariar os servidores. Os governadores disseram que a prerrogativa do veto é do presidente, mas que eles concordam. Em seguida, pediram a manutenção do artigo 6º parágrafo 4º que trata do adiamento da dívida com bancos e instituições como Banco Mundial e BID. Pediram também a sanção imediata do projeto para que o socorro chegue, como pediu Dória, até o dia 31 de maio.
Bolsonaro prometeu a sanção o mais rápido possível, talvez o faça hoje. Mas usou sempre a palavra “vetos”. No plural. Os governadores ficaram sem entender se Bolsonaro vai vetar ou não. O senador Davi Alcolumbre ressaltou que era importante não vetar esse artigo da lei, porque fora resultado de uma construção coletiva.
A equipe econômica sugeriu vetar porque o artigo do projeto estabelece que os estados podem não pagar essas dívidas e o Tesouro não poderá, no período, executar as contragarantias.
Os governadores acham que, neste momento de dificuldade, não faz sentido pagar essas dívidas. Como o Tesouro é o avalista, ele pagaria. Mas pelo contrato o Tesouro teria que reter transferências, como as do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O que foi incluído no projeto é que o Tesouro assume o pagamento e não executa as garantias. Os técnicos acham que não pode haver isso. Mas a decisão será política e estava ontem em debate interno no governo.
E quanto custaria isso? Um governador me disse R$ 12 bilhões, no Ministério da Economia ouvi R$ 13 bilhões. Na tabela que foi divulgada na coletiva seriam R$ 24,7 bilhões juntando dívida interna e externa.
— Todos os empréstimos internacionais têm garantia da União. Eles não aceitam fazer sem esse aval. Mas esses contratos são regidos pela lei americana. Se um estado parar de pagar o Banco Mundial, o Tesouro tem que pagar, mas no histórico do banco o estado vai constar como inadimplente. Nunca mais vai conseguir um empréstimo em linha barata e longa. O que os estados estão pedindo é um tiro no pé — explica um integrante da equipe econômica.
Na negociação no Senado os estados propuseram assim: se eles conseguissem renegociar com os bancos um alongamento da dívida ou uma suspensão temporária dos pagamentos, o Tesouro manteria as garantias. Isso a equipe econômica concordou. Mas uma coisa é uma renegociação, outra coisa é não pagar e o Tesouro ter que arcar e ainda não executar garantias. Pelo lado dos estados, no entanto, não faz sentido tirar recursos que poderiam ir para as emergências da saúde e pagar um banco.
Mesmo se o presidente sancionar hoje, a rapidez do pagamento dependerá de todos os estados suspenderem as ações que têm na Justiça contra a União. Aquelas ações para não pagar a dívida junto ao Tesouro e que tiveram liminares. Tudo dependerá da suspensão dessas ações e de uma MP criando o crédito extraordinário. Só então o dinheiro chegará nos cofres estaduais.
A reunião de ontem não tratou do isolamento social. Por isso pareceu tão pacífica. Ela contornou o maior conflito entre o presidente e a maioria dos governadores. Foi um dia sem briga federativa. Ótimo. Mas a paz pode ser breve.
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