AGU alega que flexibilização das regras para compra de munição não pode ser atribuída ao chefe do Executivo
Em defesa do presidente da República, a Advocacia-Geral da União apresentou argumento inusitado em processo no qual ele é réu por liberar a compra de munições em quantidade três vezes maior (de 200 para 600 unidades) pelos proprietários de armas registradas.
Existem no país 379,4 mil armas registradas, de acordo com a Polícia Federal. A mudança abriu um mercado de vendas potenciais de 227,6 milhões de munições (600 por arma).
A AGU alega que, se existem delito e culpa, não podem ser atribuídos ao presidente. Quem responde por eles são os seus subordinados, no caso, os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Defesa, Fernando Azevedo, que assinaram a portaria no último 23 de abril liberando a compra do triplo do volume de munições até então permitido. Moro se demitiu no dia seguinte.
Inexiste, arremata a defesa de Bolsonaro, “qualquer ato administrativo atribuível ao Chefe do Executivo”, acrescentando: “Os atos administrativos praticados no âmbito dos ministérios não podem ser atribuídos pessoal ou institucionalmente ao presidente.” Ou seja, somente cabe a ele a responsabilidade pelo que assina, o que não inclui as ordens que dá ou as situações de que tenha conhecimento ou participe, direta ou indiretamente.
É uma construção jurídica esdrúxula diante de fatos ineludíveis, pois menos de 24 horas antes da edição desse ato administrativo, Bolsonaro determinou aos ministros armar a população em meio à pandemia, incitando a desobediência civil contra governadores e prefeitos que haviam estabelecido normas sanitárias preventivas, como distanciamento social, confinamento ou lockdown.
Na reunião ministerial do dia 22 de abril, disse, usando uma linguagem chula: “Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um (palavrão) de um recado pra esses (palavrão)! Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá para segurar mais! Não é?” Prosseguiu: “Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um (palavrão) aparecer pra impor uma ditadura aqui! (...) Um prefeito faz um (palavrão) de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado!”
O direito de defesa não supõe direito aos próprios fatos, como desejam o presidente e a AGU neste caso. Mas conseguem demonstrar coerência no negacionismo, marca indelével do governo Bolsonaro.
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