sexta-feira, 17 de julho de 2020

Ignácio de Loyola Brandão - Leiam como se fosse um poema

- O Estado de S.Paulo

Esta é a saúde do Brasil atual: a água – e a lama dos espíritos – invadindo as UTIs

Para Raul Wassermann, editor audacioso, amigo dos livros, acreditou em mim há 50 anos

Como não estarmos confusos, muitas pessoas perdidas, desanimadas, desorientadas, a esmo, de déu em déu, desarvoradas?

Antigamente havia as garotas-propaganda, mas o Brasil se tornou original ao ter o primeiro presidente-propaganda de um medicamento (exercício ilegal de medicina?) e isso provocou uma desordem na árdua luta contra a pandemia,

Hoje, cada governador, prefeito, vereador, presidente de Câmara, assessor de imprensa, de imagens, marqueteiro, servidor de café, motoboy, líder de partido político tem seu sistema.

Cada general, almirante, marechal, coronel, tenente-coronel, major, alferes, capitão, sargento, cabo (de onde vem a expressão: “Essa é de cabo de esquadra?”), cada soldado raso (haverá o soldado fundo?), taifeiro, couraceiro, arqueiro, hussardo, infante, besteiro, ou sniper, o atirador de elite tem sua artilharia.

Cada juiz, promotor, advogado, desembargador, reitor, pai de família, chefe de facção, líder de milícia, sacerdote ou pastor das mil diferentes religiões, chefe de seção em departamentos públicos, autarquias, ministérios, gabinetes (ninguém é mais prepotente do que um chefe de gabinete) tem seu processo ou planilha.

Cada chefe de matilha, cão líder de rebanho de ovelhas, de mulas, camelos, búfalos, gado para corte, cada chefe de quadrilha de bairro, ou seja gangue, guarda-civil, vigilante noturno tem seu plano.

Cada uma dessas pessoas ou de agremiações, associações, sindicatos, grupos, associações, patentes, ou seja lá o que for, tem enfrentado a pandemia a seu modo e bel prazer, dependendo da ambição de ser eleito, enriquecer, ser promovido, ou seja lá qual é a intenção.

Enfim, cada qual vem criando uma plataforma particular, única, de combater o coronavírus, fazendo o que quer e acha melhor. E como somos 220 milhões de brasileiros batemos o recorde mundial de sistemas de combates a pandemia, epidemias, catástrofes, etc. e tal.

Vai daí que isso gera a maior mixórdia no combate ao coronavírus. Uns são contra o fechamento do comércio, outros contra a abertura do comércio, indústria e todos os serviços. Há os contra as aglomerações, enquanto outros são a favor.

Há os que querem jogos de futebol e os que não querem. Há milhões a favor da máscara e milhões contra. Dezenas não quiseram ou não souberam opinar. Dois invocaram o livre-arbítrio para nada declarar. Um preferiu se matar diante da pergunta: o que fazer?

E há e não há UTIs disponíveis. E há e não há crescimento do número de infectados. E há e não há aumento no número de mortos. Houve até quem tenha dito, jurando pela alma da mãe, que não há vírus, germe, bactéria, peçonha ou flagelo, apenas uma leve indisposição estomacal, xixi preso, um estresse suave, alergia ligeira que pode ser debelada (veja só a palavra, debelada) com bálsamos, mezinhas, orações, laxativos e – pasmem – um desinfetante.

Falando em UTIs, ninguém se comoveu, chorou, se indignou, lamentou, protestou, ninguém disse coisa alguma ao ver o vídeo de uma UTI em Roraima invadida pela chuva e a água escorrendo das luminárias em cima dos doentes, encharcando respiradouros. Jornal Nacional de segunda-feira.

Esta é a saúde do Brasil atual: a água – e a lama dos espíritos – invadindo as UTIs. Há muito elas invadiram a política, a ética, a moral, o cérebro e as consciências. Acentuou que jamais se viu a classe médica, enfermeiros, todo tipo de pessoas ligadas à saúde, tão desesperada em salvar vidas, em sofrer pelas batalhas perdidas.

Enquanto isso, o Supremo briga com os fardados, estes reagem, a população morre e o presidente diz: E daí?

No momento em que escrevo este texto, uma terça-feira, estão morrendo de 800 a mil pessoas por dia, e ultrapassamos o total dos 70 mil mortos, a população de uma cidade média. Se calcularmos que cada túmulo é uma cova de um metro de largura por dois de comprimento, quantos hectares de tumbas temos no Brasil inteiro? Qual a extensão? Dá quantos municípios ou talvez Estados? E daí?

Depois de o ministro das Comunicações dizer que a floresta amazônica é Mata Atlântica, uma lanterna brilha no fundo do túnel com um ministro da Educação que não tem currículo falsificado, possui títulos a granel e pertence a uma respeitável instituição de ensino, o Mackenzie. Só fico com a pulga atrás da orelha (e o que uma pulga vai fazer atrás de nossa orelha?) com aquela história de que ele pregou que se deve punir alunos com tapas e talvez palmatória? Fake news ministro? Pode ser, o gabinete dos perversos é mesmo... perverso.

E ainda querem que eu acredite que o presidente está com coronavírus? Eu? Aqui, ó! Fico indagando sobre coisas fúteis (ou não) na solidão desta covid. Ministros têm sido demitidos por falsidades em seus currículos. Assim, pergunto: se um dia o JB colocar no CV dele que foi presidente do Brasil não estará dando informação falsa? Até agora não governou uma só hora, um minuto, segundo, um milésimo de segundo fazendo alguma coisa por quem o elegeu. Não governou um microinstante no significado exato, amplo, democrático da palavra.

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