sexta-feira, 17 de julho de 2020

Claudia Safatle - O fracasso na saúde e a retomada da economia

- Valor Econômico

Para sair do ‘buraco’ juro tem que ser menor que o crescimento, defende Delfim Netto

O pior fracasso desse governo é no enfrentamento da pandemia. O enfrentamento da crise na economia tem sido bastante razoável. Esta é a avaliação do ex-ministro Delfim Netto, passados pouco mais de quatro meses em que se assiste diariamente à contagem de infectados pelo coronavírus e mortos pela covid-19.

“A grande verdade é que fracassamos miseravelmente no combate ao coronavírus. Vai ter muito mais mortes do que aconteceriam se o governo tivesse tido, desde o início, um comportamento diferente”, comentou.

“O Gilmar está certo!”, completou Delfim.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse durante uma live no sábado que “não é aceitável que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde (...) Isso é ruim! É péssimo para a imagem das Forças Armadas! É preciso dizer isto de maneira muito clara: o Exército está se associando a este genocídio. Não é razoável! Não é razoável para o Brasil! É preciso pôr fim a isto”.

As duras críticas de Gilmar à atuação do governo Bolsonaro, que deixou o general Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde e ele se cercou de militares colocados no lugar de técnicos da área, atingiram os generais que têm cargos na administração federal.

O ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, e os três comandantes das Forças Armadas - Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa Junior, da Marinha e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica - assinaram uma nota oficial em que rebatem a fala de Gilmar: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”, diz o texto.

Pouco depois, o Ministério da Defesa enviou à Procuradoria-Geral da República uma representação contra Gilmar em que cita como argumentos artigos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar.

As Forças Armadas são uma instituição de Estado e “não se mistura o quartel com o ‘bureau’”, acrescentou Delfim, que comandou a pasta da economia durante uma boa parte do regime militar. Porque, ao fazer isso, começa a ruir a separação fundamental. As Forças Armadas são uma instituição do Estado, estão à serviço da Nação, da Constituição, e não a serviço da vontade de alguém.

“Acho que a palavra ‘genocídio’ foi mal colocada, mas a ideia não”, atestou Delfim.

Na economia, a avaliação dele é menos severa. Afinal o país está sob um duplo e simultâneo choque, antes nunca visto, de oferta e de demanda provocado pela crise sanitária e cujas consequências são uma profunda recessão e deflação, tal como se vê agora.

A atuação tem sido razoável e isso o leva a rever a recessão de 8% para algo um pouco melhor.

Para o pós-pandemia, Delfim diz que será fundamental manter a taxa real de juros abaixo do crescimento real da economia, “para que o país possa sair do buraco”. Aí se caminha, ainda que lentamente, para uma situação de equilíbrio da dívida pública bruta como proporção do PIB.

“Temos que convencer a sociedade de que o crescimento será superior à taxa de juros e que, no ano que vem, volta-se para uma política de restrição fiscal, dentro do Orçamento.” Se essa expectativa for quebrada os juros, segundo ele, vão subir dramaticamente e o país não terá recuperação alguma. Na economia, muitas vezes, as expectativas são mais importantes do que os fatos.

“No fundo a grande contribuição do coronavírus foi que nós descobrimos 38 milhões de desconhecidos, para os quais vai ter que se fazer um programa de renda mínima. A renda mínima é uma exigência moral incontornável”, disse. São milhões de pessoas que agora o país sabe que existem, que votam, e precisam de uma renda mínima para ter condições de se livrar dela com uma boa educação e com igualdade de oportunidades.

E melhor fazer isso a partir de um entendimento com o Congresso, mostrando com clareza o que é possível e o que tem que ser cortado.

É parte do receituário do ex-ministro, por exemplo, congelar por cinco anos todos os salários do setor público acima de R$ 10 mil, cortar os subsídios, que hoje consomem mais de R$ 300 bilhões ao ano, e não “perder tempo com a reforma tributária”, que ele não acredita que seja factível.

Sem uma lei que institua um programa de renda mínima politicamente aceitável e financiável também “não vamos sair para lugar algum”.

O cidadão que está sendo atendido tem que ter condições de voltar ao mercado de trabalho. Para isso o governo quer reapresentar ao Congresso a proposta de criação da carteira verde amarela, que reduz substancialmente o custo de contratação.

O país perdeu 16% do PIB per capita do governo de Dilma Rousseff para cá e nesse mesmo tempo em que todos ficaram mais pobres, os servidores públicos tiveram aumento de salários. É hora de o funcionalismo começar a se expor aos ciclos econômicos e, nesse sentido, ele sugere o congelamento dos salários.

A economia brasileira patina desde a crise de 2014, que derrubou a atividade por dois anos seguidos. Houve um início de retomada no governo de Michel Temer, abortada pela divulgação das gravações da conversa com o então presidente, pelo empresário Joesley Batista. Os anos de 2019 e 2020 começaram com boas esperanças de recuperação. Mas ela não se consolidou no ano passado e neste ano a pandemia enterrou a expectativa.

O aumento de quase R$ 1 trilhão nos gastos públicos para combater os efeitos da disseminação do coronavírus na economia estão sendo financiados por um maior endividamento que deve elevar para a casa 15% do PIB o déficit nominal e dos 100% a relação dívida/PIB.

“Choque de oferta e demanda é de livro texto de macroeconomia.

Quando você quer imaginar qual a pior desgraça que pode acontecer, estão lá os dois choques simultâneos”, explicou.

Para sair do fundo do poço em que se encontra seria de grande utilidade uma liderança “carismática e inteligente” que desse rumos ao país. “Que sociedade queremos construir? Para mim o que falta no país é igualdade de oportunidade”, disse. O ponto de partida tem que ser igual para todos.

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