sexta-feira, 17 de julho de 2020

Novos retratos dramáticos do estado da educação – Editorial | Valor Econômico

O governo perdeu tempo precioso com as duas nulidades anteriores. É preciso retomar um caminho positivo para a educação

A educação brasileira é uma tragédia em progresso. Novas estatísticas e estudos confirmam e aprofundam os impasses conhecidos, assim como as estimativas sobre os enormes prejuízos econômicos, sociais e existenciais decorrentes de suas mazelas. 69,5 milhões de pessoas com mais de 25 anos não completaram o ensino básico e 43,8 milhões delas tem apenas o ensino fundamental incompleto, mostra a Pnad Contínua 2019 Educação, feita pelo IBGE. E se pessoas com 16 anos não completarem sua educação básica até os 25 anos de idade - 575 mil jovens a cada ano - o Brasil e elas perderão R$ 214 bilhões por ano, aponta o estudo “Consequências da Violação do Direito à Educação”, realizado pela Fundação Roberto Marinho e Insper.

A carência de educação é um mal absoluto - e dinâmico. As novas tecnologias estão eliminando milhares de empregos, com dupla penalidade para os que não tiveram a oportunidade ou não conseguiram se manter nas escolas. As vagas que elas destroem são na maioria ocupadas por pessoas de baixa qualificação e grau de instrução. E, para que tenham remuneração decente no mercado de trabalho transformado, exigem maior conhecimento e preparação, que os pouco instruídos não têm. Em um futuro que se aproxima rapidamente, pessoas sem estudos suficientes tendem a ser condenadas a empregos informais e mal-remunerados - quando houver.

Os números da Pnad mostram progressos desde 2016, mas lentos e, até certo ponto, formais. Pessoas sem nenhuma instrução, no universo das que têm 25 anos ou mais eram 7,8% em 2016 e 6,4% em 2019. Nesses mesmos 4 anos, a fatia dos que não completaram o fundamental caiu de 34% para 32,2% e a dos que completaram o ensino médio subiu de 26,3% para 27,4%. No total, a porcentagem dos que têm ensino médio completo e ensino universitário concluído ou incompleto subiu de 45% para 48,8%.

Os esforços para colocar todo mundo na escola deram certo no ensino fundamental. A taxa de escolarização das crianças de 4 a 5 anos foi de 92,9% no ano passado e das de 6 a 14 anos, de 99,7%. Mas há ainda enorme carência de creches - grosso modo, só uma criança em cada três estão nelas (faixa etária de 0 a 3 anos). Na transição do ensino fundamental para o médio a situação se complica muito com a evasão escolar. Do ponto de vista da escolarização, o maior problema se deslocou para a fase final da educação básica. Quase 75% dos jovens de 18 a 24 anos estão atrasados ou abandonaram os estudos.

Aos 15 anos acentua-se a debandada dos jovens dos cursos escolares - 14,1% -, progredindo para 17,7% aos 16 anos, 17,8% aos 17 anos e 18% dos com 19 anos ou mais. O principal motivo dado para o abandono dos estudos foi a necessidade de trabalhar, mas na faixa dos 15 a 29 anos, nada menos de 10,36 milhões de pessoas nem estudam nem trabalham, ou 22,1%. E embora nenhum dos dois estudos citados avalie a qualidade da educação oferecida, sabidamente ruim, o IBGE capta a ponta dessa questão nas razões para a evasão. O segundo principal motivo é o puro e simples desinteresse pelos estudos, dado por 29,2% das pessoas entre 14 e 29 anos. Nada do que foi apresentado nas escolas ao longo de anos a essas pessoas as motivaram.

A FRM e o Insper usaram números semelhantes aos da Pnad para mensurar os danos da evasão escolar a partir dos 16 anos - 17,5% nessa faixa - se os que a abandonaram não retomassem o estudo até os 25 anos, estimados em 575 mil pessoas por ano. O prejuízo é de R$ 214 bilhões, ou 70% de tudo o que União, Estados e municípios gastam com a educação pública no ano. A principal vítima são os que ficaram para trás na escada educacional, que serão punidos ao ingressar no mercado de trabalho, com um salário 25% menor em relação aos que completaram o básico. Ao longo de sua vida profissional receberão 37% menos do que eles, uma perda de R$ 157 mil. Suas chances de permanecerem ocupados em vagas formais é 20% menor.

Entre iletrados e quem só tem o fundamental completo há 54,8 milhões de pessoas, a base para um analfabetismo funcional incompatível com o mercado de trabalho em mutação. É possível corrigir os infortúnios da falta de educação para as novas gerações, com políticas abrangentes que invistam na qualidade. Ontem assumiu terceiro ministro da Educação em um ano e meio, Milton Ribeiro. O governo perdeu tempo precioso com as duas nulidades anteriores. É preciso retomar um caminho positivo para a educação.

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